A morte da rainha Elizabeth II aos 96 anos comoveu o mundo – seja pessoas no Reino Unido ou no Brasil, que não tem relação alguma com a Coroa. Sua família e amigos estão de luto, lógico, pela perda de alguém que conheciam e amavam, mas o que todo mundo está sentindo? Os sentimentos de perda por alguém que nunca conheceu podem ser considerados luto?
Isso virou até piada nas redes sociais. Enquanto uns sofriam, outros caçoavam desse sentimento. No twitter, uma postagem ironizando um hipotético morador de Belford Roxo que estaria de luto pela rainha alcançou quase 90 mil curtidas.
“vá em paz minha rainha 😞🙏🏼”
irmão, tu mora em BELFORD ROXO
— Robespierre Guilhotinou Foi Pouco (@foi_pouco) September 8, 2022
“A maioria das pesquisas sobre luto se concentrou na perda de pais, amigos íntimos ou cônjuges”, diz Michael Cholbi, filósofo da Universidade de Edimburgo, Reino Unido. Entretanto, as relações unilaterais entre uma pessoa e uma figura pública conhecida, celebridade ou membro da realeza são chamadas de relações parassociais. “Eu certamente acho que as relações parassociais podem dar origem ao luto. Não vejo porque deveríamos antecipar que o luto só surgiria, apenas faria sentido, no contexto de relacionamentos recíprocos”, afirma Cholbi.
Mundo perturbado
Alguns pesquisadores atribuem o luto parassocial a uma perda de possibilidade. “A experiência do luto é uma espécie de ruptura na experiência do mundo em geral. Quando isso acontece, há uma espécie de quebra de suas suposições”, explica a filósofa Louise Richardson, co-diretora de um projeto da Universidade de York, Reino Unido, chamado “Grief: A Study of Human Emotional Experience”. Ela cita uma teoria chamada “mundo presuntivo”, que sugere que uma pessoa tem suposições fortemente sustentadas e fundamentadas sobre o mundo. “O tipo de perdas pelas quais lamentamos são aquelas que perturbam esse mundo presumido, o que pode explicar sentimentos de luto pela morte da rainha”, diz ela.
Cholbi diz que faz sentido que as pessoas lamentem a perda de figuras públicas em quem, de alguma forma, investiram suas próprias identidades – adotando os mesmos valores percebidos ou porque admiram uma postura que a pessoa assumiu. “Esta é a perda de alguém que desempenhou um papel em seus próprios valores e preocupações. Então, parece não apenas uma perda da pessoa, mas de certa forma, uma pequena perda de um aspecto de si mesmo”.
Pesquisas de 2012 sugerem que um processo chamado “introjeção” ajuda as pessoas a lidar com a morte de uma celebridade. “Este fenômeno se dá quando percebemos as qualidades que alguém, com quem temos um relacionamento, possui – mesmo que nos relacionemos com eles à distância”, explica Andy Langford, diretor clínico da instituição de caridade Cruse, com sede em Londres. “Acabamos adotando essas qualidades para nós mesmos, e isso ajuda a lidar com o luto. Para algumas pessoas, será o caso de dizer: eu realmente admiro essa qualidade e, portanto, continuarei vivendo isso, para defendê-la”, afirma o especialista, que diz ainda que o luto por uma figura pública é realmente luto: “Esses sentimentos são reais”.
Diminuindo a dor
Mas para alguém distante, como a rainha, Langford espera que a dor diminua mais cedo do que pela perda de alguém mais próximo. O vínculo que formamos com alguém depende de três variáveis: tempo, afinidade e proximidade. “Essas três facetas nos indicarão o grau de luto e a razão pela qual são importantes. Existem neurônios em nossos cérebros projetados para procurar essas três coisas”.
“É altamente improvável que o transtorno de luto prolongado – uma condição em que o sentimento continua intensamente e pode durar meses ou anos – afete aqueles que lamentam a morte da rainha”, diz Katherine Shear, diretora do Centro de Luto Prolongado da Universidade de Columbia, em Nova York.
Apesar desses insights, testar teorias sobre o luto e encontrar respostas quantitativas continua sendo um desafio. “Como você pode testar algo quando você não tem certeza do que é?” questiona Richardson. “Não é como se houvesse uma espécie de glândula do luto no cérebro que você pode ver o quão ativas são algumas condições”. O luto pode ser uma palavra simples, mas é muito complicada, acrescenta Shear: “Não é uma emoção, é um grupo de emoções”.
O que está claro é que muitas pessoas que estão de luto pela rainha – cujo funeral acontece na próxima segunda-feira, 19 de setembro – realmente estão sentindo dor, seja ela de Belford Roxo ou não. “Sentimos uma perda como parte de nós mesmos, até para aqueles que nunca conheceram a rainha”, acrescenta O’Connor. “Ainda perdemos uma fonte de inspiração e encorajamento, e um período da própria história pessoal e cultural.”