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Pesquisa revela que Brasil é o país dos influenciadores digitais

Eles determinam como agem e pensam milhões de pessoas e, diante da indiferença das autoridades, ajudam a espalhar banalidades — apesar das boas exceções

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 jul 2022, 14h33 - Publicado em 1 jul 2022, 06h00

Houve um tempo, nem tão distante assim, em que ideias capazes de iluminar debates e indicar caminhos vinham de grandes personalidades de diversas áreas do conhecimento. Na política, Ulysses Guimarães guiou gerações com sua aversão à ditadura e amor à democracia. No campo da cultura, nomes como Carlos Drummond de Andrade, Di Cavalcanti e João Gilberto, entre tantos outros, inspiraram não apenas poetas, pintores e músicos, mas certamente milhões de brasileiros que os admiravam. Na ciência, Adolfo Lutz e Vital Brazil assumiram durante décadas o papel de propagadores do saber. Não foram poucas as vozes que, ao longo da história, ensinaram, balizaram e, afinal, influenciaram o modo de agir e raciocinar. A vida mudou, a sociedade é outra, e agora as grandes cabeças pensantes foram superadas por uma categoria barulhenta e numerosa, muitas vezes descuidada com a informação que divulga e que pode até assumir determinadas posições em troca de uma quantidade extraordinária de dinheiro. São os chamados influencers digitais, em inglês mesmo, indício de provincianismo para lá de tolo. É denominação afeita a designar indivíduos que seduzem multidões nas redes sociais.

arte influencers

Um estudo recente realizado pela Nielsen traça um quadro perturbador desse universo. A pesquisa revela que o Brasil é o país dos influenciadores. Existem 500 000 deles com ao menos 10 000 seguidores espalhados pelas diversas plataformas. Sob qualquer ângulo que se olhe, é muita gente: o número supera o total de engenheiros civis e iguala-se ao contingente de médicos (leia no quadro). Para além das questões práticas envolvidas — uma nação precisa mais de doutores ou de tagarelas exibidos que têm opinião sobre tudo? —, há outro ponto que merece ser mencionado. Essa turma destemida e aparentemente irrefreável determina o que milhões de pessoas vão consumir e influencia as suas visões de mundo agora e no futuro. Lembre-se, 2022 é ano eleitoral e os influenciadores estão por aí pontuando sobre o pleito, às vezes disseminando informações falsas e, nos casos mais graves, a soldo de políticos.

Sim, o Brasil é um dos campeões mundiais em tudo o que diz respeito a esse universo. Outro levantamento, das agências Hootsuite e We Are Social, mostrou que somos o segundo país que mais segue influenciadores (44,3% dos usuários da internet), atrás das Filipinas (51,4%), à frente de outras nações emergentes. Não é à toa. Lugares empobrecidos, com baixo nível educacional e poucas opções de lazer, formam o ambiente ideal para a propagação dos influenciadores a um clique. “As pessoas que estão à margem da sociedade enxergam o digital como um meio de ascensão”, diz Bia Granja, cofundadora da consultoria Youpix.

crédito: instagram @klebim
Kleber Moraes (klebim) – (Reprodução/Instagram)

Kleber Moraes (Klebim)

Assunto que aborda: carros de luxo
Número de seguidores: 1,7 milhão no Instagram
Destaque: chegou a ser preso, acusado de liderar um esquema criminoso de exploração de jogos de azar

Entre as várias preocupações que rondam o fenômeno, a principal diz respeito à profundidade dos temas debatidos. O escritor italiano Umberto Eco definiu a questão em um comentário célebre. Nunca é demais recorrer a ele: “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. Como influencers, alguns idiotas da aldeia se tornaram vozes ressonantes de alcance monumental e parece não haver mecanismos para detê-los.

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Crédito: instagram @gaules
Gaules – (Reprodução/Instagram)

Gaules

Assunto que aborda: games
Número de seguidores: 3,6 milhões na twitch
Destaque: durante suas lives, que batem recordes, o streamer costuma abordar temas sérios com os jovens, como a importância da saúde mental

Em certos aspectos, as redes sociais se tornaram terra de ninguém. Isso só favorece os influenciadores, que encontram campo livre para fazer o que bem entendem. Na área financeira, não são poucos os influencers que vendem a promessa de riqueza fácil e há até os que negociam pirâmides financeiras, o que é crime. No ramo da saúde, o perigo está à solta com os curandeiros que oferecem curas sem comprovação científica ou que fazem propaganda de remédios, o que também é ilegal. Não existe fiscalização e as autoridades pouco se debruçam sobre o assunto.

Crédito: instagram @felipeneto
Felipe Neto – (Reprodução/Instagram)

Felipe Neto

Assuntos que aborda: games, política, tecnologia
Número de inscritos: 44,2 milhões no YouTube
Destaque: megaempresário e maior youtuber do país em volume de fãs, costuma desafinar ao querer pautar todos os debates políticos

Como separar os profissionais sérios dos picaretas? Seguindo exemplos de outros países, o Brasil estuda a criação de leis para regulamentar o trabalho dos influencers, mas os textos estão travados no Congresso. O Código de Defesa do Consumidor e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) já preveem punições, mas isso não tem sido suficiente. “As medidas acontecem em ritmo mais lento do que a velocidade das mídias digitais”, diz a influencer de finanças Nathalia Arcuri, do canal Me Poupe!, reconhecida pela seriedade de seu trabalho. “A questão que enxergo como mais relevante é a responsabilização das plataformas pela entrega de conteúdo de desinformação. Não só os usuários precisam responder pelos conteúdos que publicam, mas também as plataformas.”

arte influencers

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Os próprios influencers, especialmente os mais populares, deveriam tomar algumas medidas simples para não difundir bobagens. A primeira delas é não entrar em áreas que não dominam. “Durante horas de transmissão, surgem inevitavelmente assuntos diversos”, diz Alexandre Borba, o Gaules, segundo maior streamer do mundo, com mais de 3 milhões de seguidores. “Meu objetivo é promover entretenimento e diversão, mas, quando o assunto é sério, sempre incentivo a busca por ajuda profissional.” Consultar especialistas — o que o bom jornalismo sempre deve fazer — é algo pouco recorrente nesse universo.

crédito: instagram @nathaliaarcuri
Nathalia Arcuri – (Reprodução/Instagram)

Nathalia Arcuri

Assunto que aborda: economia
Número de inscritos: 7 milhões no YouTube
Destaque: na contramão dos charlatões do setor, que prometem soluções financeiras milagrosas, ficou conhecida por oferecer dicas sensatas

Os primeiros grandes influenciadores surgiram no YouTube, com a explosão de nomes como PC Siqueira, que se envolveu em toda a sorte de polêmicas, o humorista Whindersson Nunes, que anunciou um período sabático para cuidar da saúde mental, e Felipe Neto, o mais ativo no debate público. Aos 34 anos, doze deles dedicados a seu canal de vídeos, Neto é hoje um dos cinco maiores youtubers do planeta. Sempre em tom cômico, foi moldando o seu perfil e passou a adotar um tom engajado (até demais). O carioca é agora uma espécie de ombudsman da vida nacional, despejando ideias, análises e opiniões sobre tudo, mesmo sem ter o embasamento adequado — de futebol a política, de saúde a economia. Basta acompanhar por alguns minutos o que Neto diz para notar que suas proposições são superficiais e precipitadas, mas isso não impede que angarie multidões de fãs.

Iran Ferreira (luva de pedreiro) -
Iran Ferreira (luva de pedreiro) – (Reprodução/Instagram)

Iran Ferreira (Luva de pedreiro)

Assunto que aborda: esporte
Número de seguidores: 15,4 milhões no Instagram
Destaque: o jovem baiano viralizou por suas jogadas em campo de várzea, mas sofreu com a falta de profissionalismo de seu antigo agente

Em paralelo ao sucesso dos youtubers, cresceu o interesse por blogs de moda e estilo de vida. O conceito de “blogueiro”, por sinal, costuma se confundir com o de influenciadores. Os textos foram substituídos por vídeos, e o que já era banal ficou ainda mais raso. E dá-lhe desfile de corpos sarados e dancinhas recheadas de insinuação sexual. Nesse processo, uma onda de influenciadores migrou de outras redes para o Instagram e TikTok, e todas as plataformas acabaram dominadas por essa turma. Como não poderia deixar de ser, o dinheiro veio junto. As redes em que se ganha mais são o Instagram, o TikTok e o YouTube. Segundo especialistas, um influenciador médio, com algo como 100 000 seguidores, pode faturar cerca de 20 000 reais por mês. Um megainfluenciador chega a embolsar até 600 000 reais por uma única campanha. É o caso de Juliette, vencedora do BBB21, alçada ao estrelato em apenas três meses, e hoje com mais de 33 milhões de seguidores no Instagram.

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crédito: instagram @juliette
Juliette – (Reprodução/Instagram)

Juliette

Assuntos que aborda: estilo de vida e música
Número de seguidores: 33,7 milhões no Instagram
Destaque: campeã do já batido BBB, virou cantora e símbolo de empoderamento feminino

As cifras monumentais explicam e retroalimentam o sucesso dessas pessoas. Quanto mais dinheiro ganham, mais atraentes se tornam, mais contratos publicitários assinam e, no final, passam a ser ainda mais influentes. Lá atrás, as profissões desejadas por jovens eram aquelas de sempre — jogador de futebol e piloto de avião, para ficar com as campeãs da preferência. Agora os anseios mudaram radicalmente.

crédito: instagram @eusougabriela
Gabriela Pugliesi – (Reprodução/Instagram)

Gabriela Pugliesi

Assuntos que aborda: saúde e estilo de vida
Número de seguidores: 5,1 milhões no Instagram
Destaque: cancelada e descancelada tantas vezes, a maior blogueira fitness do país não tem diploma de nutrição nem de educação física

Uma pesquisa realizada pela startup Inflr apontou que massacrantes 75% dos jovens brasileiros querem ser influencers e que 64% deles consideram a questão financeira a principal motivação. A promessa de renda garantida, ímã inescapável, contudo, não condiz com a realidade. Outro levantamento, da consultoria Atlantico, apontou que 23% dos influencers brasileiros não ganham 1 centavo sequer pelo trabalho nas redes — no máximo, recebem brindes das marcas. Metade do total fatura menos de 500 reais e apenas 14% embolsam mais de 2 000 reais mensais. “A profissão exige esforço e estrutura”, afirma Bruno Peres, professor da ESPM e pesquisador da USP.

A internet, reconheça-se, teve o mérito incontestável de levar informação para bilhões de pessoas. Isso é ótimo e não há volta, felizmente. Mas ela tem seus pecados, como permitir que pessoas superficiais — os tais influenciadores — moldem o pensamento das atuais e futuras gerações. É preciso atenção com os falsos profetas que pululam por aí, e que fecham as portas de quem pretende ser sério.

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Publicado em VEJA de 6 de julho de 2022, edição nº 2796

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