Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Pesquisa mostra que fazer o bem traz efeitos positivos para corpo e mente

Pessoas que se dedicam a ajudar o próximo têm menos risco de desenvolver patologias como depressão e doenças cardíacas

Por Matheus Deccache Atualizado em 28 out 2022, 10h17 - Publicado em 28 out 2022, 06h00

No século XVIII, o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) desenvolveu o conceito do “bom selvagem”, segundo o qual o ser humano nasce sem propensão a praticar o mal, é corrompido à medida que se insere na sociedade e, para retornar a seu estado natural, deve pensar no bem-estar do próximo antes do próprio. Sua reflexão contribuiu para elaborar um sentimento vastamente aclamado, embora nem tão amplamente experimentado: a satisfação que toma conta do indivíduo quando ele ajuda a aliviar as dificuldades de outra pessoa. O prazer de ajudar não conhece limites — vai desde o encarregado da faxina que acha uma carteira recheada e a devolve até as doações em série de MacKenzie Scott, a ex-mulher de Jeff Bezos, que já encaminhou à filantropia 12 bilhões de dólares, dos 60 bilhões que amealhou ao se divorciar do dono da Amazon há três anos. Agora, a ciência mostra que fazer o bem, além de dar contentamento, tem outro efeito colateral importante à saúde física de quem o pratica.

Um recente estudo realizado por pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, mostra que ajudar o próximo resulta em uma série de benefícios específicos para o corpo e a mente. A equipe apresentou um teste de critérios morais a 1 209 adultos, em que respondiam sim ou não a questões como “Estou disposto a enfrentar dificuldades para fazer o que é certo”, “Uso os meus pontos fortes para ajudar os outros” e “Estou disposto a abrir mão da minha felicidade momentânea para colher bons frutos no futuro”, e aplicou sobre as respostas uma escala de zero (“Não tem nada a ver comigo”) a 10 (“Tem tudo a ver comigo”). Em seguida, analisou durante um ano os pedidos de consultas, exames e tratamentos das mesmas pessoas a planos de saúde. As conclusões foram reveladoras.

Aqueles que relataram traços consistentes com a prática de atos solidários, com respostas mais próximas do 10, apresentaram até 50% menos probabilidade de sofrer de depressão, um dado expressivo. Ajudar os outros com vistas a longo prazo, sem uma retribuição imediata, resultou ainda em menor chance de desenvolver ansiedade. Por fim, quanto maior a pontuação dos entrevistados, menos propensos eles eram de sofrer doenças cardiovasculares. “Nosso objetivo era encontrar fatores positivos não convencionais capazes de influenciar a saúde e o bem-estar. Foi reconfortante descobrir que, quando cooperamos para o bem do outro, também contribuímos para nosso próprio bem-estar”, afirma a pesquisadora polonesa Dorota Weziak-Bialowolska, uma das autoras do estudo.

PRIMEIRO O OUTRO - “A sensação de ajudar as pessoas me deixa renovada”, afirma a estudante carioca Juliane Ramos (no centro), integrante do grupo Eu Me Importo com Você, que distribui comida a moradores de rua no Rio de Janeiro. Atitudes como a dela são um motor para a boa saúde física e mental -
PRIMEIRO O OUTRO – “A sensação de ajudar as pessoas me deixa renovada”, afirma a estudante carioca Juliane Ramos (no centro), integrante do grupo Eu Me Importo com Você, que distribui comida a moradores de rua no Rio de Janeiro. Atitudes como a dela são um motor para a boa saúde física e mental – (//Arquivo pessoal)

Esses resultados corroboram conclusões obtidas em estudos anteriores envolvendo o impacto positivo da prática do bem. Com financiamento do Instituto Nacional de Desordens Neurológicas e Doenças Cerebrovasculares americano, os brasileiros Ricardo de Oliveira Souza, neuropsiquiatra, e Jorge Moll Neto, neurocientista, submeteram candidatos a trabalhos voluntários a uma ressonância magnética no momento em que decidiam se iam ou não participar de uma ação. Eles descobriram que o ato de fazer o bem ativou regiões cerebrais relacionadas ao prazer e aos sentimentos de apego e pertencimento. A estudante de comunicação Juliane Ramos, 25 anos, segue a tradição da família e realiza trabalhos voluntários desde a adolescência. “A gente ganha mais do que as pessoas que estão sendo ajudadas. Essa sensação me deixa renovada”, conta ela, integrante do grupo Eu Me Importo com Você, que distribui quentinhas a moradores de rua no Rio de Janeiro. “Realizar boas ações acaba tendo um efeito bumerangue que traz benefícios para a mente”, confirma a neuropsicóloga Adriana Fóz.

À luz da psicanálise, o lado menos desprendido da disposição de ajudar o próximo é a sua aproximação de uma ação narcísica: quando se põe em marcha uma atitude altruísta, o inconsciente busca se sentir amado e aprovado pelos outros. “É frequente a sensação de que, quando fizermos o bem a alguém, seremos recompensados na mesma medida”, explica Paula Peron, professora de psicologia da PUC-SP. A definição de fazer o bem, claro, não se limita a dar dinheiro e engrossar o voluntariado, mas está relacionada a padrões morais como honestidade, responsabilidade, respeito e empatia. “Eu procuro sempre estar disponível a quem precisar, mesmo que para isso deixe minhas próprias questões de lado, e busco pensar no outro antes de pensar em mim”, afirma o vendedor Matheus Wanderosch, de 26 anos. As novas pesquisas podem servir de impulso para mais gente sair da zona da comodidade e se mexer para ajudar quem precisa.

Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.