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Pesquisa de Harvard mostra valor da amizade entre diferentes gerações

Esses laços são um saudável terreno para trocas duradouras

Por Duda Monteiro de Barros, Paula Freitas Atualizado em 4 jun 2024, 10h28 - Publicado em 28 Maio 2023, 08h00
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  • Um dos mais relevantes pensadores na história da civilização ocidental, o grego Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) enunciou, lá atrás, que o homem é um animal social e que a vida em comunidade faz parte da própria essência humana. Muitos milênios e pesquisas depois, a ciência avançou na compreensão de quanto os laços de amizade são fundamentais à sobrevivência e ao bem-estar, funcionando como um potente motor para a felicidade. Várias correlações já foram inclusive estabelecidas entre o cultivo de elos sólidos e a diminuição de doenças que abatem os indivíduos — um contundente conjunto de estudos sustenta que, ao contar com gente em quem confiar, os indivíduos vivem mais e melhor. Como o conhecimento nesse campo não cessa, escalou-se um recente degrau ao se descobrir que vínculos firmes estabelecidos entre pessoas de gerações diferentes compõem uma dobradinha em que tanto a turma jovem como os mais velhos saem ganhando, cada qual de um jeito especial.

    Ao cavucar essa delicada teia de improváveis relações, uma vasta pesquisa conduzida ao longo de oito décadas pela Universidade Harvard concluiu que aqueles que já haviam atravessado a fronteira dos 70 anos e mantinham convívio afetivo com pessoas mais novas (registrando uma diferença de idade de pelo menos duas décadas) revelavam altos níveis de satisfação com a vida — três vezes mais que os outros que restringiam sua rotina social a um pessoal da mesma geração. Descendo às razões da bem-sucedida aproximação entre indivíduos de mundos tão distintos — as músicas, os filmes, as experiências são em tudo diversas —, o levantamento, que acompanhou no curso de tão dilatado tempo 700 pessoas, constatou que as que cruzaram a barreira da chamada terceira idade (e nenhum deles quer se encaixar nesse escaninho) se percebem com os pés mais fincados no terreno da modernidade. Elas relatam estar hoje mais expostas às tecnologias e, para muito além disso, se conectam a debates do quais provavelmente estariam à margem.

    Uma tecla em que os mais velhos batem com frequência, de acordo com a pesquisa de Harvard, é o quanto se sentem úteis ao passar aos mais jovens conhecimento e sabedoria acumulados. “Essa doação de saber lhes dá um senso de propósito, já que estão contribuindo com os outros”, ressalta o psicólogo Marc Schulz, à frente do estudo. Aos 80 anos, a aposentada Cléa Aguilar encontrou na igreja com a estudante de publicidade Ester Medeiros, 21 — “poderia ser minha neta”, fala. “A vida social ficou agitada e perdi o medo de mexer no celular”, reconhece Cléa, que, ao ouvir as histórias da amiga, traz novos ângulos à luz de sua vivência. “Acho que de alguma forma eu a inspiro”, avalia. O contato com a turma mais experiente também ajuda a domar o medo de envelhecer, um temor sempre presente. “Somos ensinados que os jovens são mais atraentes e interessantes, mas eles precisam romper com o próprio estereótipo e entender que a velhice é um tempo de autonomia e realização”, observa a antropóloga Mirian Goldenberg.

    REJUVENESCER, AMADURECER - A aposentada Cléa Aguilar, 80 anos, abriu novos horizontes desde que fez amizade com a estudante de publicidade Ester Medeiros, 21, com quem trava altas conversas. A vida social ficou mais agitada e ela perdeu o medo das telas. “Por outro lado, acho que minha experiência às vezes a ajuda”, conta
    REJUVENESCER, AMADURECER – A aposentada Cléa Aguilar, 80 anos, abriu novos horizontes desde que fez amizade com a estudante de publicidade Ester Medeiros, 21, com quem trava altas conversas. A vida social ficou mais agitada e ela perdeu o medo das telas. “Por outro lado, acho que minha experiência às vezes a ajuda”, conta (//Arquivo pessoal)

    Com uma boa estrada já percorrida, amigos de 60, 70 anos contribuem para relativizar a gravidade dos problemas e lhes dar a razoável dimensão. Os veteranos ainda põem à mesa a importância de conquistas que soam miúdas, mas têm sua relevância. Essa calibragem se tornou mais simples para o estudante de direito Heitor Burgos, 21 anos, depois de travar profunda amizade com seu professor de faculdade, Eduardo Costa, de 71, que até hoje o ensina. “A gente acha que as coisas são definitivas e aí conversa com alguém que viveu tudo aquilo e passa a compreender que elas podem mudar a qualquer momento, são efêmeras”, reflete Heitor, que absorve tudo nos longos papos com o mestre. Outro ponto martelado pela atual juventude é que as ligações intergeracionais tendem a escapar da superficialidade em que muitas vezes as amizades entre jovens se fiam. “A relação com pessoas mais velhas traz uma densidade acompanhada de uma rara oportunidade de aprendizado sobre outras culturas e eras”, avalia a psicóloga Lidia Aratangy, que se dedica ao tema.

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    Quebrar barreiras etárias vem ajudando muita gente a suavizar a solidão que tanto se acentuou nos últimos tempos — uma de cada três pessoas no mundo afirma se sentir isolada, índice que sobe para 50% no Brasil, como mostra um levantamento do Instituto Ipsos. E ela atinge mais os jovens, ao contrário do que normalmente se pensa. Para neutralizar esse triste sentimento que ronda tantas pessoas — e cientes dos benefícios do convívio entre as diferentes idades —, tem surgido mundo afora um tipo de moradia que se especializou em mesclar gerações. É uma espécie de alternativa às casas de idosos tradicionais, acolhendo os mais velhos, que tiram proveito da rede de apoio na vizinhança, e os mais novos, que podem deixar os filhos sob os cuidados de um amigo setentão, em um dia a dia saudavelmente compartilhado. Já se veem empreendimentos assim nos Estados Unidos e em países da Europa, como Espanha, Alemanha e Reino Unido, que registram um avanço do grupo demográfico com mais de 60 anos. “Essa mistura etária beneficia a todos em algum grau”, garante Karin Krause, fundadora do Hope & a Future, projeto de residência que segue esse modelo, situado no estado americano de Wisconsin. É a aplicação radical de uma ideia que a pesquisa de Harvard ventila à luz da ciência: amizade não tem idade.

    Publicado em VEJA de 31 de maio de 2023, edição nº 2843

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