No Museu do Louvre, em Paris, uma jaqueta de organza dourada, bordada com fios de ouro e cravejada com cristais e pedras que evocam as joias da coleção do rei Luís XIV (1638-1715) brilha na Galerie d’Apollon. Trata-se da Hommage à Ma Maison, uma das mais luxuosas peças de Yves Saint Laurent, estilista que há sessenta anos iniciava uma das mais inovadoras carreiras da moda. “Participei da transformação da minha época”, disse ele, em 2002, quando se despedia do mundo fashion. “Fiz isso com roupas, que certamente são menos relevantes do que a música, a arquitetura, a pintura e várias outras artes, mas, seja como for, eu o fiz.” YSL, celebrado por suas iniciais, morreu em 2008, aos 71 anos. Seu legado vai muito além de laivo de modéstia, ao considerar a costura uma atividade menor. Não é.
No ano em que a grife completa seis décadas, suas criações viraram atrações dos mais prestigiados museus da França na mostra Yves Saint Laurent aux Musées. Até 15 de maio, cinquenta peças da obra do costureiro estarão no Louvre, no Museu d’Orsay, no Centro Pompidou, no Museu de Arte Moderna de Paris e no Museu Picasso Paris. “Ele foi o maior criador de moda da segunda metade do século XX”, afirma a jornalista e consultora Costanza Pascolato, uma das maiores referências da moda no Brasil.
Pela primeira vez, um estilista é homenageado em tantas instituições ao mesmo tempo. Compreende-se. “A genialidade de Saint Laurent foi a de borrar as linhas entre moda e arte”, diz Mouna Mekouar, cocuradora das exposições. Graças a ele, a separação passou a ser menos evidente. “O que é maravilhoso na minha arte é que o sonho e a realidade podem se tornar um só”, dizia ele. No Centro Pompidou, os olhares vão para a relação de YSL com artistas do século XX. Estão expostas 500 fotografias polaroides de suas musas, incluindo Kate Moss e Carla Bruni, um vestido da coleção Picasso (outono-inverno 1979), e os célebres modelos inspirados no trabalho do holandês Piet Mondrian. No Museu de Arte Moderna da França, está o vestido jeans da linha prêt-à-porter Rive Gauche de 1970 contrastando com painéis pintados pelo francês Daniel Buren. No Museu Nacional Picasso, a arte do designer é vista por meio de coleções inspiradas no balé e no cubismo. O ponto de encontro do estilista com a literatura de Marcel Proust está no D’Orsay. Proust o inspirou na criação do Le Smoking — ou smoking feminino —, uma de suas marcas registradas.
Nascido em 1936, na Argélia, a paixão do designer pela moda começou na infância com as roupas da mãe. Aos 17 anos, mudou-se para Paris, onde foi trabalhar com Christian Dior, de quem herdou a direção criativa da maison francesa após a morte do estilista, em 1957. Aos 26 anos, fundou sua marca homônima ao lado do sócio e companheiro Pierre Bergé. Da década de 1960 até meados de 1990, a marca se consolidou e espraiou sua relevância, amada por musas incontornáveis como a atriz Catherine Deneuve.
É inquestionável: ele sempre esteve à frente de seu tempo, apontado como o bad boy da alta-costura pelo comportamento às vezes despojado e o frenético consumo de drogas. Com intuição extraordinária, assimilou o trabalho de artistas para reinventá-los dentro de um vasto repertório de inspirações e inovações. Por isso, seu trabalho perdura até hoje como um dos mais impressionantes e celebrados da história da moda. Várias vezes, mudou os rumos do universo da alta-costura, ao romper com os tradicionalismos. Foi dele, por exemplo, o pulo do gato do prêt-à-porter. A originalidade de YSL é atemporal. Daí a ideia de levá-lo aos museus.
A costura encontra a arte
Joia para vestir
A jaqueta Hommage à Ma Maison, exposta na Galerie d’Apollon do Museu do Louvre, traz bordados de fios de ouro, cristais e pedras preciosas. É o mais lindo exemplo do trabalho minucioso de modelagem
Inspiração masculina
YSL adorava incluir na moda feminina elementos do guarda-roupa masculino. O macacão exibido no Museu do Louvre demonstra como ele soube adaptar o uso de calças de maneira criativa e arrojada
Cores em movimento
O vestido da coleção Picasso, da temporada outono-inverno de 1979, exibido no Centro Pompidou, bebe da extensa obra multicolorida da artista Sonia Delaunay
Publicado em VEJA de 16 de março de 2022, edição nº 2780