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A realidade perigosa das brasileiras que embarcam no erotismo do OnlyFans

Quem paga se vê como senhor de um espaço onde o contato com as garotas é possível — em tempo real ou via mensagem — e muitas vezes hostil

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 4 jun 2024, 10h12 - Publicado em 25 ago 2023, 06h00
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  • O mundo estava sob a clausura imposta pela pandemia quando o universo das redes, onipresente, alcançou uma escala como nunca antes. Foi aí, naquele 2020, que germinou todo tipo de fenômeno virtual, um leque de qualidade variada que contemplava novas necessidades humanas no campo do lazer e do trabalho. Na esfera da cultura, sem poder fazer shows, repentinamente, artistas esbarraram na até então desconhecida plataforma britânica OnlyFans, que oferecia aos fãs, mediante assinatura, conteúdo exclusivo de gente famosa flagrada em cliques inéditos e cenas de bastidores.

    Num ciclo veloz, em que uma coisa logo levou à outra, material mais picante foi sendo disponibilizado pelas próprias celebridades (não raro, semicelebridades) para impulsionar o interesse, entre elas Anitta, que brindou a plateia virtual com imagens em que se cobria com módicos pedaços de tecido. Com a rotina de volta aos trilhos, nomes estelares regressaram ao palco, deixando a via do OnlyFans aberta para milhares de anônimos, a imensa maioria da ala feminina, que começaram a investir firme em fotos e vídeos de teor erótico na busca de um dinheiro que, a princípio, lhes pareceu fácil. Mas não é.

    ADEUS, ESTÁGIO - Ana Elisa, aluna de direito: “Banquei minha escolha mesmo sob o alvo de críticas pesadas”
    ADEUS, ESTÁGIO - Ana Elisa, aluna de direito: “Banquei minha escolha mesmo sob o alvo de críticas pesadas” (//Arquivo pessoal)

    A reportagem de VEJA mergulhou nesse terreno, em que cada vez mais brasileiras de classe média, universitárias entre 18 e 25 anos, experimentam fazer da exibição do próprio corpo uma atividade de trabalho. O enredo contado por elas se inicia com a sensação de que podem fazer o que bem quiserem, sem travas. Mas a romanceada narrativa (para usar palavra da moda) dá de cara com a aridez de uma realidade na qual quem paga se vê como senhor daquele espaço, onde o contato com as garotas é possível — em tempo real ou via mensagem — e muitas vezes hostil. Aos 21 anos, a estudante de publicidade Amanda Alcunha, que havia conseguido vaga em uma empresa como jovem aprendiz, largou tudo pela alardeada promessa de ganhar bem com um dia a dia em que teria controle sobre o tempo. No OnlyFans e em plataformas menores, como a brasileira Privacy, ela posta uma generosa coleção de nus artísticos. “Quando contei à minha mãe, ela disse que eu estava me prostituindo, brigamos feio, mas não desisti”, diz a estudante, que recebe cerca de 20 000 reais mensais, já abatidos os 20% cobrados pelo site.

    Como ocorre com inúmeras meninas, ela é alvo de constante assédio de homens do outro lado da tela, que aparecem com pedidos aos quais já cedeu, mesmo atropelando sua vontade. Como só se mostrava de lingerie, um deles insistia para que não usasse nada. “Acabei fazendo o que ele queria, para agradar, uma violência para mim”, reconhece Amanda, que caminha nesse pantanoso solo, onde, de acordo com estudos, podem se disseminar males da mente. “A atuação nesse nicho é associada a ansiedade, depressão e crises de pânico”, explica a psicóloga Mônica Gurjão, da PUC-SP. Sendo um mercado sem regulamentação, não há mediação entre as jovens e quem navega em seus canais. Para se ter acesso ao que elas postam, pagam-se até 120 reais mensais por perfil, a depender do status de cada uma na rede, repleta de usuários que nem sempre atentam para o elementar princípio do respeito. “É comum que as garotas recebam mensagens agressivas, xingamentos e sejam até ameaçadas”, alerta a especialista.

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    Hoje tomado de conteúdo erótico — nudes, vídeos sensuais e pornografia —, o OnlyFans cresce e já contabiliza 220 milhões de assinantes de 100 países. Os números da plataforma vêm aumentando exponencialmente no Brasil. Normalmente, as meninas já desfrutam alta popularidade em redes como Instagram e, empurradas pela boa audiência, migram para o OnlyFans. Não é o desespero financeiro que as conduz para essa trajetória. “Muitas citam vantagens como horário flexível e trabalho a distância, mas admitem que a opção vem acompanhada de estigmas”, ressalta Carolina Bonomi, do Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp.

    ALTA PRESSÃO - Giulia Rosa é cobrada o tempo inteiro: “Para eles, o que eu posto nunca é bom o suficiente”
    ALTA PRESSÃO - Giulia Rosa é cobrada o tempo inteiro: “Para eles, o que eu posto nunca é bom o suficiente” (//Arquivo pessoal)

    Entre os perigos que brotam pelo caminho, há o risco de vazamento do conteúdo, que pode ser facilmente copiado e, nas mãos dos mal-intencionados, às vezes circula livremente em grupos de WhatsApp. Foi assim com a aluna de direito Ana Elisa Souza, 23 anos, que abandonou um estágio no ano passado para encarar o OnlyFans. Postou ali vídeos eróticos sozinha e com o namorado, que foram parar em aplicativos de mensagem e sites pornô. Quando aderiu à plataforma, ela teve medo dos inevitáveis julgamentos em seu círculo social. “Eu sei que as pessoas falam mal do que faço pelas costas, mas nunca escondi nada”, garante ela, que recebeu 70 000 reais em um mês e só quer deixar o site depois de conquistar o diploma universitário, com atalho de futuro garantido. Cifras tão altas, esclarecem os entendedores, não são usuais no OnlyFans. Apenas aquelas que já contabilizam uma ampla teia de contatos em outras redes conseguem faturar tanto.

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    Um dos impulsos à exposição sob os holofotes das redes tem raízes fincadas em um traço característico dos dias de hoje — a cultura do narcisismo. Isso vale para a indústria de posts de forma ampla, e se aplica também a essas meninas, que vão perdendo o espanto diante do que, antes, lhes soava estranho. “Quanto mais publicam em redes, mais vão normalizando a situação”, diz a cientista social Lorena Caminha, da USP. Algumas procuram agências especializadas no universo das redes eróticas, profissionalizando o ganha-pão, como fez Giulia Rosa, 21 anos, que recebe 50 000 reais mensais com fotos e vídeos com figurino sensual. A exposição vem acompanhada de uma severa autocrítica. “É um meio de muita pressão estética, estamos sempre nos comparando e sendo cobradas”, desabafa. “As meninas incorporam personagens hipersexualizados e ficam reféns desse modelo, um motor para frustrações”, enfatiza a psicóloga Mônica Gurjão. Como se vê, abrir as portas da intimidade em tamanha escala pode deixar feridas que não se apagam na velocidade de um post.

    Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856

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