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‘Os indígenas ainda são muito rotulados’, diz Dandara Queiroz

Modelo internacional e estrela da Globo revela os desafios para superar os preconceitos

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 21 set 2024, 08h00
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  • Dandara é um nome africano, vem da mulher de Zumbi, Dandara dos Palmares. Mas a minha origem é indígena, tupi-guarani. Na aldeia Tabaçu, em Itanhaém (SP), onde criei minha conexão com a comunidade, me chamam de Ipuara, “o tempo dos sons sagrados”. Mas, tal qual a companheira de Zumbi, tenho o desejo de liberdade e respeito aos povos originários, e de força para lutar por isso. É claro que os tempos são outros, mas infelizmente o desrespeito ainda existe. Meu avô dizia que, quando descobriam que era indígena, era visto como escravo. Por isso, foi motivo de vergonha. Eu mesma já sofri muito preconceito. Nasci em Araçatuba, interior de São Paulo, mas cresci em uma cidade pequena, Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul. Quando era pequena, na escola, sempre ouvia coisas do tipo “índio não pode ter iPhone” ou “daqui a pouco vai fazer uma fogueira”. Essas coisas sempre existiram na minha vida, mas não tinha consciência de que me desrespeitavam.

    A gente já nasce com uma cultura colonizadora de alienação, que dificulta o entendimento de que estão desdenhando da sua essência. Conforme fui crescendo, entendi que era desrespeito. Há pessoas que não fazem por mal, claro, mas foram alimentadas pelos preconceitos. Por isso, creio, comecei minha carreira tarde. Aos 14 anos, eu quis ser modelo. Recebi não de todas as agências, que queriam meninas loiras, dos olhos claros. Segui a vida, me formei em arquitetura e urbanismo, mas a arte sempre esteve em mim. Aos 22, quase dez anos depois, arrisquei no concurso de miss da minha cidade. Ganhei, fui para o estadual, que também venci, e fiquei em quinto lugar no Miss Brasil, que me abriu portas no mundo da moda. De repente, todas as agências queriam me contratar, mas também pelo perfil de inclusão que desejavam exibir. No primeiro ano, fiz capas de revistas e editoriais de moda, inclusive internacionais. No ano seguinte, mudei para São Paulo, onde fui recordista de desfiles no São Paulo Fashion Week. Surgiu então a oportunidade de ir para a Alemanha, outro choque de realidades — lá tive ansiedade e compulsão alimentar, o que me desestabilizou.

    Meus pais me apoiaram, não me deixaram desistir. Ainda bem, porque essa visibilidade na moda chamou a atenção da Globo, que me convidou para participar do documentário Falas da Terra, para o qual ainda ajudei a compor a trilha sonora, e da novela das 6, No Rancho Fundo. Até hoje, porém, ainda é difícil acreditar que estou na TV, especialmente porque as oportunidades ainda são pequenas. Os indígenas ainda são muito rotulados, estereotipados. Atores têm que fazer papel na floresta ou músicos precisam compor canções sobre natureza. A mulher indígena também é muito sexualizada, pela ideia de que usa poucas roupas. Pensam que temos menos conhecimento ou capacidade, um julgamento completamente equivocado. Eu sou modelo, atriz, canto, componho. Tenho muito orgulho da minha origem. Mesmo sabendo que muita gente vê como fantasia, o que também é uma falta de respeito, faço questão, por exemplo, de pintar meu rosto com grafismos que representam minha conexão com a ancestralidade, com a natureza. E usar meus colares de sementes que eu mesma faço e me servem de proteção.

    Algo que me chateia muito é quando alguém questiona se sou indígena. É constrangedor. Sim, eu sou. E, como qualquer outra pessoa, livre para fazer o que bem quiser da vida. Neste lugar em que estou hoje, quero aproveitar minha representatividade para falar da minha cultura e valorizar meu povo. E inspirar as próximas gerações sobre quanto é fundamental entender e respeitar de onde viemos. Isso é o mais relevante, simples assim.

    Dandara Queiroz em depoimento a Simone Blanes

    Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911

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