Os drinques enlatados sempre foram considerados produtos de segunda linha. Até pouco tempo atrás, consistiam em uma mistura geralmente doce e de sabor frutado, com baixo teor alcoólico (muitas receitas continham apenas álcool etílico genérico), e eram consumidos sobretudo pelo público jovem em festas e baladas. Não à toa, costumavam ficar escondidos nas prateleiras mais baixas dos supermercados, aqueles lugares tradicionalmente reservados a itens de pouco prestígio. A falta de atributos também fez com que o universo da coquetelaria desprezasse tais latinhas, tratando-as como não mais do que uma excentricidade. Agora, contudo, a situação começa a mudar. O mercado tem sido inundado por opções que prometem reproduzir, em versões prontas e com algum grau de fidelidade, drinques clássicos. Há até, quem diria, uísque e licor em lata.
A tendência ganhou força na pandemia, quando os bares fecharam suas portas. E aí, num rápido movimento de adaptação humana, veio a solução: recorrer aos RTD, sigla para “prontos para beber”. Um estudo da consultoria InsightAce Analytic estima que a prateleira de bebidas alcoólicas prontas teve faturamento recorde no ano passado de 32,9 bilhões de dólares, com projeção de superar os 85,5 bilhões até 2030. “Os olhos dos fabricantes estão voltados para esse segmento”, confirma o bartender Lula Mascella. Na quarentena, o mixologista passou a oferecer, no sistema delivery, drinques prontos junto com as pizzas do restaurante onde trabalha. Com o fim das restrições sanitárias, as pessoas voltaram, mas não largaram o hábito de tomar drinques na lata, que, sim, empregam destilados de verdade, embora haja quem sinta diferença em relação aos originais.
O mercado tem crescido graças a uma boa dose de inovação e ao entusiasmo de um conjunto de startups, que entraram em cena. É o caso da americana F!ve Drinks, que conta com um portfólio de drinques clássicos, além de criações únicas. Entre suas invenções está o negroni — coquetel de origem italiana que tem o gim como base —, feito em parceria com o Dante, bar de Nova York alçado a melhor do mundo em 2019. Após começar as operações nos Estados Unidos em 2018 e vender 1,2 milhão de latinhas em 2020, a F!ve Drinks trouxe seus produtos para o Brasil. Gigantes do setor de bebidas estão atentos ao movimento. A americana Jack Daniel’s oferece aos brasileiros duas opções em lata, uma à base de uísque e refrigerante de cola e outra cuja mistura inclui o licor Jack Honey e limão. A Beefeater, conhecida por seu tradicional gim, também tem versão pronta, devidamente inserida no recipiente de alumínio.
É compreensível a intenção do mercado em dar visibilidade às latinhas. Afinal, elas funcionam como porta de entrada para o universo da coquetelaria. Com preços médios de 20 reais, têm apelo entre quem quer conhecer um mojito, um negroni ou um cosmopolitan mas não pretende desembolsar o valor salgado de um drinque desses no balcão do bar, onde custam até quatro vezes mais. Pesa ainda em favor delas a praticidade. “A pandemia acelerou muitos fenômenos, inclusive a tendência do consumo em casa”, afirma Alê D’Agostino, eleito o melhor bartender do ano em 2018 no guia VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER. Pioneiro em oferecer drinques prontos, D’Agostino lançou a marca APTK Spirits em 2017 e hoje é referência em coquetéis engarrafados. Mas seu produto é voltado para amantes da coquetelaria dispostos a pagar um pouco mais: cada garrafa custa, em média, 110 reais. “Obviamente, a ideia jamais foi substituir a experiência do bar, até porque muitas vezes o drinque é coadjuvante nesses lugares”, diz. A jornada etílica pelo mundo da coquetelaria nunca foi tão acessível. Caberá ao consumidor separar o que é bom daquilo que pode ser menos agradável ao paladar. Um brinde à nova era.
Do bar para as gôndolas do supermercado
JACK DANIEL’S LEMONADE
O licor Tennessee Honey é feito com uísque e mel. Nesta versão que acaba de ser lançada no Brasil, leva também um toque de limão
BEEFEATER GIN & TONIC
Sucesso absoluto no Brasil, o gim-tônica da Beefeater é preparado com o tradicional gim londrino e tônica Antarctica
JACK DANIEL’S COLA
A combinação de uísque e refrigerante de cola é uma das mais populares no planeta e tende a ser o carro-chefe das latas da marca
F!VE DRINKS DANTE NYC NEGRONI
Parceria da startup F!ve Drinks com o Dante, eleito o melhor bar de Nova York, é uma releitura de um drinque clássico
F!VE DRINKS MOJITO
Parte integrante do portfólio da F!ve Drinks nos EUA, o mojito, à base de rum e maracujá, também pode ser achado por aqui
SMIRNOFF INFUSIONS SPRITZ
A marca de vodca foi pioneira em drinques prontos e agora aposta em versões de spritz com diversas combinações de frutas e botânicos
Publicado em VEJA de 22 de junho de 2022, edição nº 2794