Um dos materiais de construção mais antigos do mundo, a madeira já era usada 10 000 anos atrás para abrigar humanos em regiões cobertas de florestas. Os prédios de diversos andares promoveram o cimento e aço ao posto de materiais preferenciais, ficando a madeira reservada à estrutura de casas — nos Estados Unidos, 90% delas são erguidas em torno de uma moldura de pinho. O avanço tecnológico e a crescente preocupação com o meio ambiente, contudo, têm levado as árvores a retomar seu papel na construção civil, sustentando, inclusive, prédios altos e vistosos. “A construção com madeira se encaixa na indústria moderna: poupa material, tempo e dinheiro”, diz Marcelo Aflalo, professor da Faap, em São Paulo, e especialista nesse tipo de arquitetura.
Na Escandinávia, onde a vasta cobertura florestal faz da madeira um dos principais produtos de exportação, a tradição vem dos vikings, que usavam o material nas casas comunais das famílias importantes, caracterizadas pelo teto em forma de barco invertido. Na Suécia, a pequena Skellefteå, de 70 000 habitantes, busca recuperar a herança do passado pondo abaixo edifícios de concreto e erguendo prédios residenciais e escolas de madeira. Lá se encontra o grandioso Centro Cultural Sara, de vinte andares, que por algum tempo foi o mais alto do mundo no material. Atualmente, é superado pelo Mjøstårnet, na Noruega, que tem dois andares a menos, mas 10 metros a mais (85m). Curiosidade: ao projeto original foram adicionados cinco andares só para bater o recorde. Que logo será suplantado: o Ascent, de Milwaukee, no estado de Wisconsin, será inaugurado em junho com 86,6 metros de altura.
O avanço da madeira na construção deve-se ao desenvolvimento da chamada madeira engenheirada, composta de várias placas agrupadas e coladas ou no mesmo sentido — a MLC, madeira laminada colada, indicada para vigas e pilares — ou de forma cruzada, chamada CLT, de cross laminated timber, de uso geral. Segundo projeções da Economist, a demanda por madeira engenheirada deve aumentar 13% ao ano até 2025. Dois fatores estimulam o uso crescente da madeira nas edificações. Um é a sustentabilidade: os materiais convencionais respondem por um terço das emissões de gases que provocam o efeito estufa, sendo o cimento emissor de 6% do gás carbono liberado na atmosfera. Já as árvores, ao contrário, removem CO2 do ar, podem ser replantadas e seu produto é facilmente reciclado. Além disso, a madeira é encomendada e cortada sob medida por máquinas de alta precisão e os blocos são montados no canteiro de obra como se fossem peças de Lego, ao passo que nos prédios de concreto desperdiçam-se, em média, 35% dos materiais.
Em São Paulo, a empresa Amata, especializada em CLT, projetou o experimental Floresta Urbana, edifício de treze andares com escritórios, apartamentos e serviços na acidentada Vila Madalena, planejado em “degraus” para melhor se adaptar ao sobe e desce do bairro. “Quando começamos, em 2019, tínhamos 50 000 metros quadrados em projetos. Agora já são 2 milhões”, diz Ana Bastos, CEO da Urbem (fabricante da Amata), que vê inclusive uma experiência sensorial no ambiente feito de madeira. “O cheiro, o aconchego e a acústica produzem um efeito calmante”, garante. Nos Estados Unidos, destacam-se, além do recordista Ascent, o Carbon 12, ousado prédio de apartamentos de madeira e vidro com amplos espaços vazados situado no centro de Portland, no estado do Oregon.
No Canadá, outro país com vastas florestas, o governo oferece financiamento especial a projetos sustentáveis e, cada vez mais, a madeira aparece em construções. A Tree Tower, de Toronto, terá em seus dezoito andares um misto de apartamentos e escritórios que transbordam para grandes terraços. A área portuária, em plena revitalização, vai abrigar um complexo de edificações onde a estrela é um prédio residencial ultramoderno totalmente feito de madeira. Um decreto da prefeitura de Amsterdã, na Holanda, exige que, a partir de 2025, um quinto das novas edificações seja de madeira. Com todos os seus benefícios, o uso de madeira na construção civil ainda é restrito. “É um material temperamental. Quem lida com ele tem de levar em conta aspectos como umidade, expansão e peso”, explica Daniel Asp, arquiteto da White Arkitekter, que projetou o Centro Cultural Sara, na Suécia. Diante da urgência por um mundo sustentável, porém, o retorno às raízes no ramo da construção é um caminho sem volta.
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789