Foi durante um desfile da estilista britânica Vivienne Westwood (1941-2022), em 1993, que Naomi Campbell consolidou sua fama. Ao riscar a passarela com sapatos plataforma altíssimos, ela torceu o pé e caiu no chão. Não ficou envergonhada nem interrompeu a apresentação, reações esperadas de alguém menos experiente. Riu de si mesma, levantou-se e continuou a caminhada, sem titubear. Aplaudida de pé, mostrou ali, ao vivo e a cores, porque era parte do seleto grupo das supermodelos que, na década de 1990, ditavam tendências no modo de vestir e de agir. Sua contribuição, é claro, é muito maior do que o divertido e corajoso episódio. Além da beleza inquestionável, foi a primeira modelo negra a ter destaque mundial e pioneira em protestar contra o racismo no universo da beleza, seja por igualdade no tratamento, seja por pagamentos equivalentes aos das colegas brancas.
Agora, a trajetória repleta de conquistas ao longo de quarenta anos na moda será tema da exposição Naomi: In Fashion, no Victoria and Albert Museum, em Londres. Com inauguração marcada para o dia 22 de junho, a mostra terá tanto peças clássicas quanto fotografias indeléveis. As roupas, obviamente, têm destaque. São assinadas por designers próximos da personagem, como Azzedine Alaïa (1935-2017), que ela considerava um pai adotivo, e Gianni Versace (1946-1997), de quem era musa. E, claro, as infames plataformas azuis desenhadas por Westwood. “Quero que todos tenham uma sensação de intimidade”, afirmou Naomi sobre a experiência que quer oferecer aos admiradores. A modelo vive na esfera pública há tanto tempo que esse sentimento vem de forma natural.
Nascida em um bairro londrino muito simples, Naomi viveu parte da infância na Itália com a mãe, a bailarina Valerie Morris-Campbell, que, mesmo resistente, acabou deixando a filha trabalhar como modelo desde os 15 anos. Em 1988, ela foi a primeira mulher negra a estampar a capa da Vogue Paris, um divisor de águas. Incentivada por Linda Evangelista e Christy Turlington, passou a fazer parte do panteão de grandes nomes das semanas de moda, desfilando para inúmeros estilistas e grifes relevantes como Dior, Chanel e Victoria’s Secret. Virou rosto de campanhas de marcas poderosas como Versace, NARS e Prada. Flertou com a música e o cinema, embora seja mais lembrada pelas lendárias aparições em videoclipes como Freedom! ‘90, de George Michael, e In the Closet, de Michael Jackson. “Naomi sempre teve uma postura questionadora do sistema e mudou a forma como a moda via as modelos negras”, diz Liliana Gomes, diretora da agência Joy, que descobriu top models como Fernanda Tavares e Lais Ribeiro.
Cada momento da sua vida foi revirado por tabloides e revistas do mundo da moda e das celebridades, onde ela frequentemente estampava a capa. Foi assim que vieram à tona os tórridos romances com o pugilista Mike Tyson e os atores Robert De Niro e Leonardo DiCaprio, ou os escândalos que a levaram aos tribunais por agressões físicas. Mas esses eventos se tornam menores em sua biografia. Ficam na memória a incessante luta contra o racismo e seus projetos humanitários. Atuou ao lado de Nelson Mandela (1918-2013), que a chamava de “neta honorária”; criou a fundação Fashion for Relief, para ajudar pessoas acometidas por desastres globais, e a Emerge, que estimula novos talentos no continente africano. Hoje, aos 54 anos, continua trabalhando a todo vapor, mas dedica boa parte de seu tempo para cuidar dos dois filhos pequenos. Mais do que celebrar seu legado, com o nome de Naomi cravado em nosso tempo, a exposição em Londres coroa sobretudo o impacto cultural que ela teve e tem até hoje no poder e na representatividade da imagem da mulher negra. Não é exagero dizer que, depois de Naomi Campbell, o mundo da moda e do entretenimento ficou um pouco mais diverso e bem menos preconceituoso. Que bom.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896