Com cerca de cinco meses de gestação, soube que Tereza tinha um problema no coração conhecido como CIV, ou comunicação intraventricular. Ela apresentava abertura na parede entre o ventrículo direito e o esquerdo, o que teve impacto ao longo da gravidez. Seu peso e tamanho não evoluíam como o esperado. Cada ida ao médico, cada exame, era tudo uma aflição total. Ao nascer, em 15 de abril, com 39 semanas, suas medidas correspondiam às de um bebê quase prematuro, com 2,3 quilos e 45 centímetros. Eu e meu marido (o ator Renato Góes) estávamos cientes de que precisaríamos acompanhá-la de perto, mas havia a expectativa de que não seria necessário operar. Existem casos em que essa abertura se fecha naturalmente. Com o tempo, porém, Tereza se mostrava um neném cansado, sonolento, sem cor, que não mamava nem dormia direito. Havia semanas em que engordava apenas 10 gramas. E, na consulta de dois meses, veio o susto: ela enfrentaria uma cirurgia de emergência, em um procedimento de quatro horas com o peito aberto. Nunca vou apagar da memória a agonia das semanas que se seguiram. Depois de estar diante da possibilidade da perda de um filho, ninguém mais é o mesmo.
Passaram-se dez dias entre UTI e CTI, os mais longos da minha vida. O tempo ganha outra dimensão, parece parar. Entregá-la no centro cirúrgico e ver seus olhinhos se fecharem com a sedação foi um choque. Paralisei com a ideia de não vê-la nunca mais acordada. Engatei num choro compulsivo e precisei ser arrastada de lá. Ao falar abertamente sobre o que vivemos, tenho a certeza de que estou ajudando outras mães. Na verdade, minha entrada no movimento da maternidade real começou bem antes, nas redes sociais, depois do nascimento do meu primeiro filho, Francisco, hoje com 1 ano e 8 meses. Fiz questão de tornar pública a depressão em que mergulhei na gestação dele. Passei todos os meses deitada em uma cama, quase vegetando. Tinha dias em que não conseguia levantar para escovar os dentes ou tomar banho. As pessoas diziam que aquela era uma fase sagrada, e eu me sentia ainda pior, ainda mais culpada.
Como uma pessoa que nunca havia tido depressão podia se sentir tão triste em relação a algo com que sempre sonhou e tanto idealizou? Além da questão hormonal, muitas correntes apontam que, para a mulher, esse período representa um mergulho na própria infância. No meu caso, trouxe à tona memórias e traumas. Não fui uma filha desejada. Minha mãe, que era empregada doméstica, engravidou quando já não queria estar casada. Meu pai batia nela e a traía. Com meus 6 anos, ele abandonou a família e, aos 17, se matou. Tudo isso bateu forte. Tinha receio de repetir padrões e um medo absurdo de não ser boa mãe. Na época, cheguei a fazer sessões de análise seis vezes por semana, às vezes sete.
Felizmente, consegui sair da escuridão em que me vi. Nos últimos meses, sob a exaustão de ter dois bebês em casa, um deles precisando de atenção especial, achei importante postar vídeos em que mostro os desafios da amamentação, falo das dificuldades da privação do sono e da alteração hormonal no puerpério, entre outros temas. Agora, Tereza é uma criança de 3 meses ainda com o tamanho de uma recém-nascida, mas superesperta, atenta, corada. Após toda a turbulência, não sinto mais aquela ansiedade de voltar correndo ao trabalho, como aconteceu depois do nascimento do meu primeiro filho. Estreei três filmes nesses dois anos. O que mais me mobiliza neste momento, porém, é um podcast sobre maternidade. Minha visão de mundo e meus valores mudaram profundamente no papel de mãe. O Francisco iniciou esse processo. E aí veio Tereza, que me transformou por completo.
Thaila Ayala em depoimento dado a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852