Invasão verde-amarela: brasileiros batem recorde de presença na Argentina
Motivados pelo câmbio vantajoso, turistas escolhem o país como destino preferencial para passar as férias
Entra governo, sai governo e a Argentina continua em crise. A mais atual remete a uma briga no coração do populismo peronista entre o presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, em torno dos rumos da combalida economia, que sofre com a maior inflação dos últimos trinta anos. Apesar dos percalços, o país vizinho nunca deixou de atrair a simpatia dos brasileiros, que costumam curtir o frio do inverno nas estações de esqui da Patagônia, ou nos cafés de Buenos Aires. Mas nunca, como agora, se viu tamanha invasão verde-amarela. A valorização do dólar e do euro pesou na hora de decidir onde passar as férias e muitos turistas optaram por um dos poucos destinos internacionais onde a moeda está mais desvalorizada que o real.
No primeiro semestre deste ano, cerca de 550 000 brasileiros cruzaram a fronteira rumo à Argentina. A média mensal supera em 27% a de 2010, ano em que a economia brasileira bombou e quase 900 000 pessoas visitaram o país. “A grande quantidade de viajantes aponta para um novo recorde”, aposta Roberto Haro, presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo, contando que as férias do mês de julho, ainda não computadas, devem ajudar a impulsionar o fenômeno.
A empolgação do momento é tanta que a Gol deve dobrar as saídas semanais rumo a Buenos Aires e Mendoza. A Latam pretende abrir outros cinco voos para essas cidades, fazendo o número total das duas companhias pular de 244 para 418 até o fim do ano. “Em Bariloche, só se ouve português”, diz a psicóloga Helen Pedroso, 46 anos, que acaba de retornar de uma estação de esqui, com a filha Teodora, 9. “Até os guias eram brasileiros.”
A presença massiva tem sido comemorada pelo comércio local. Empolgados com preços que chegam à metade dos praticados no Brasil, os turistas têm feito despesas generosas, até nos pontos mais frequentados por visitantes, onde os valores são, em geral, maiores (veja no quadro). O casal Caroline, 34, e Willer Castro, 36, costuma visitar a Argentina quase todos os anos, mas, pela primeira vez, abriu a carteira sem dó. “Fomos a bons restaurantes todos os dias. Nas outras ocasiões, deixávamos para comer bem apenas uma ou duas vezes”, diz Caroline. “Brasileiros não economizam, não sei se teríamos sobrevivido às sucessivas crises sem eles”, avalia Nestor Santos, dono da parrilla Santos Manjares, uma das churrascarias mais procuradas da capital.
Aproveitar as vantagens do câmbio, porém, exige certa ginástica para fazer o melhor negócio. Com a intenção de evitar a depreciação do peso, o governo mantém a moeda valorizada artificialmente, o que faz o mercado paralelo, chamado de blue, ser quase três vezes mais vantajoso. Para não tomar um susto com a fatura do cartão de crédito, que segue o rito estabelecido pelo Banco Central, muitos recorrem às casas de câmbio informais, conhecidas como cuevas, ou aos cambistas locais, chamados de arbolitos. Basta uma caminhada pela Florida, uma das ruas mais movimentadas do centro de Buenos Aires, para deparar com eles.
Uma opção mais segura é recorrer às empresas especializadas em envio de dinheiro para o exterior, que possibilita a compra de dólares no Brasil e a retirada em peso do outro lado da fronteira, em caixas automáticos. A cotação pode ser até melhor que a do blue, mas é cobrada uma comissão e o IOF. “Temos títulos da dívida argentina, o que nos permite seguir a cotação internacional”, explica Ricardo Amaral, presidente da Western Union, uma das que oferecem o serviço. Muitos estabelecimentos também aceitam reais, mas nem sempre o câmbio vale a pena. Seja como for, a viagem costuma render malas abarrotadas de alfajores, bons vinhos e, de quebra, a satisfação de ser bem recebido pelo maior rival no futebol. É reconforto sem preço.
Com reportagem de Luana Meneghetti
Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801