Considerado um dos mais brilhantes cientistas da história, o britânico Stephen Hawking (1942-2018) deixou informações preciosas para a melhor compreensão do universo. O astrofísico tem também sua imagem ligada à esclerose lateral amiotrófica, doença neurodegenerativa que o obrigou a usar uma cadeira de rodas. Entre todos os desafios de Hawking, porém, existia um que, embora óbvio, não chamava tanta atenção quanto as complexas equações que nos ajudaram a conhecer melhor os buracos negros ou como se deu o big bang. Ele não conseguia se vestir sozinho por causa das limitações impostas a seu corpo. Essa é uma enorme complicação para pessoas com deficiência.
Além disso, sofrem para encontrar peças com estilo, bem cortadas. A lacuna, tudo indica, começa agora a ser preenchida. Aos poucos, modelos desenhados para esses consumidores chegam ao mercado respeitando a individualidade, autonomia, corpo e expressão de identidade de cada indivíduo. O pensamento é relativamente novo no Brasil, mas ganha força com o lançamento da coleção Adaptive, da Tommy Hilfiger, marca americana que já lançou coleções para esse público em países europeus, Estados Unidos e Japão. “Tenho filhos com deficiência e aprendi o impacto que uma coleção assim pode ter”, disse Tommy Hilfiger, pai de duas crianças autistas.
As peças seguem o conceito de design da marca, mas trazem modificações funcionais como fechos magnéticos e de velcro, costuras e zíperes laterais com abertura facilitada, mangas e punhos personalizáveis, elásticos na cintura e caimentos talhados para cadeirantes e usuários de próteses. A iniciativa é louvável e também lucrativa. Segundo a grife, pessoas com deficiência, comumente definidas pela sigla PCD, formam um público que gasta 4,8 vezes mais do que um cliente médio no e-commerce. Considerando que existem cerca de 1,8 bilhão de deficientes no mundo e que até 2026 o mercado para eles deve alcançar 400 bilhões de dólares, além de um belo gesto, trata-se de negócio promissor, como percebeu o grupo LVMH, o maior conglomerado de empresas de luxo do mundo. As marcas da companhia ainda não vendem roupas para esses consumidores, mas começaram a investir na educação de designers por meio de workshops ministrados pelo estilista Marc Jacobs.
No Brasil, a população de PCDs é estimada em 45 milhões de pessoas. Desde 2019, quando a Riachuelo lançou uma linha voltada para esse público, assinada pelo estilista Alexandre Herchcovitch, o movimento cresceu. A Reserva, por exemplo, criou sua linha, a Adapt&, em setembro do ano passado. “Nos unimos com a Equal, marca pioneira no desenvolvimento de roupas inclusivas”, diz Rony Meisler, CEO da AR&Co, grupo que controla a grife. São catorze modelos com aparência, modelagem e qualidade idênticas às dos produtos mais vendidos, porém com ajustes ergonômicos.
O país conta ainda com outras grifes voltadas para os PCDs, como a Aria Moda Inclusiva, Adaptwear e Lado B. Uma das inspirações para as marcas é a cantora Viktoria Modesta, usuária de prótese na perna esquerda. Seus figurinos sofisticados levaram várias grifes a entrar no segmento com o mesmo arrojo para dar mais representatividade ao público. “Não ter acesso a roupas adaptadas é negar o básico ao indivíduo para que ele se vista com dignidade e autonomia”, diz Laís Ramires, criadora do projeto Corpos que Falam. Ainda bem que, também na moda, o respeito à diversidade se impõe.
Publicado em VEJA de 17 de agosto de 2022, edição nº 2802