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“Hilary salvou minha vida”, diz deficiente visual sobre seu cão-guia

Mellina Reis, de 38 anos, conta como o cachorro já evitou que ela sofresse uma queda fatal

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 9 abr 2022, 08h00

Quando eu tinha 14 anos, fui diagnosticada com uma doença que causa degeneração na retina, a distrofia de cones-­bastonetes. Hoje, aos 38, tenho apenas 3% da minha visão. Há oito anos, conto com a ajuda do cão-guia Hilary para me locomover sozinha. Há quase um mês, eu estava na Estação Saúde do metrô em São Paulo, a caminho de uma consulta médica, num trajeto que faço com frequência, quando abri a porta do elevador adaptado para pessoas com deficiência. Achei coincidência ele estar parado no andar, porque eu sempre tenho de esperar sua chegada. Quando tentei entrar, a Hilary não se mexeu. Achei que havia pessoas lá dentro e dei o comando para ela andar novamente. Mas Hilary continuou parada. Quando pedi pela terceira vez e ela não se moveu, suspeitei que algo estivesse errado. Tateando com os pés, eu gelei quando não senti o chão. A Hilary começou a me puxar para trás, com medo. Embora a porta estivesse aberta, o elevador não estava no andar. Eu jamais imaginei que isso pudesse acontecer. Se estivesse usando a bengala, provavelmente eu teria caído de uma altura de 3 metros e, possivelmente, morrido. O cão-guia salvou minha vida. Com o meu celular adaptado para cegos, fiz um vídeo e o metrô isolou o local. Dias depois, eu postei as imagens em meu perfil no Instagram, com o objetivo de alertar sobre os riscos e divulgar a importância desses animais.

A Hilary veio para mim em março de 2014, em uma parceria do Sesi São Paulo com o Instituto Íris — parceria que, infelizmente, não existe mais. Na época, nove pessoas foram contempladas e, para nos adaptarmos, ficamos hospedados durante duas semanas em um hotel fazendo um treinamento intensivo para aprender como cuidar sozinhos dos bichos. Para um cego, é muito tenso confiar que um cachorro realmente conseguirá nos guiar pela cidade. Lentamente, eu fui confiando na Hilary. Sempre gostei de viajar, e eu só teria certeza de que ela me daria segurança se conseguíssemos sair por aí sozinhas. Sou formada em turismo e amo passear. Em 2015, programei uma viagem a Curitiba, conhecida por ser acessível aos deficientes visuais. Quando cheguei, sozinha, me bateu o pânico. E se eu me perdesse? Se me machucasse? Deu tudo certo, e me senti muito vitoriosa. Desde então, eu e a Hilary já visitamos juntas seis países e mais de setenta cidades, e decidi contar essa história em um blog e no perfil do Instagram 4 Patas Pelo Mundo, que já tem mais de 16 000 seguidores. Comecei a fazer palestras motivacionais, mas que foram interrompidas durante a pandemia. Minhas amigas (que enxergam) já me disseram que não teriam coragem de viajar sozinhas. Imagine, então, se ainda fossem cegas? Em algumas viagens, contei também com a companhia do meu marido, que enxerga normalmente. Mas, na maioria das vezes, eu vou sozinha mesmo. Ele não tem o mesmo pique que eu.

Embora a presença do animal seja permitida em todos os lugares, inclusive em restaurantes, ainda existe muita desconfiança e preconceito. Na rua, é importante que as pessoas não mexam com o animal, nem façam carinho, pois a distração pode causar acidentes. Uma vez, feri minha boca ao bater em um galho de árvore porque alguém mexeu com a Hilary. No fim deste ano, a Hilary, que já tem dez anos, vai se aposentar. Ela vai continuar comigo, mas não vai mais ficar 24 horas ao meu lado. O corpo dela já não aguenta. Estou me preparando emocionalmente, mas vai ser difícil. Temos uma ligação muito forte. Ainda não sei se vou pegar outro cão-guia, mas, até lá, as viagens ficarão suspensas porque voltarei a usar a bengala. Já me perguntaram de maneira maldosa qual é a graça de viajar sem enxergar. Eu garanto: viajar vai muito além da visão.

Mellina Reis em depoimento dado a Felipe Branco Cruz

Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784

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