Foram anos de protesto, toneladas de tinta para pichações e muita gritaria dos grupos de proteção aos animais até que os casacos de pele virassem párias, excluídos dos desfiles de moda das grandes grifes internacionais. Hoje, as peças são proibidas em países como Inglaterra, Suécia, Holanda e Austrália. Nas passarelas incontornáveis de Paris, Nova York e Milão não há regra que os condene — mas o bom gosto e o medo de cancelamento têm mantido os modelos feitos a partir de chinchilas e raposas, sobretudo, fora dos catálogos. Uma nova tendência, porém, dessas que brotam de séries e filmes e depois são alavancadas pelo território livre das redes sociais como o TikTok e o Instagram, anda na contramão — e já provoca ruído, com mais de 200 milhões de visualizações.
São as mob wives, ou “mulheres de mafiosos”, referência ao visual de personagens casadas com os gângsteres. O pacote estético, atrelado ao período entre os anos 1980 e o final dos 1990, inclui joias douradas e espalhafatosas, salto alto, maquiagem de cores vivas, couro até não poder mais, estampa de oncinha e outros bichos e, reafirme-se, as peles, tão severamente vaiadas. Em alguns casos, há quem use materiais sintéticos, alternativos, que simulam os originais, mas é recurso que pouco serve para baixar a fervura.
A inspiração do polêmico estilo no mundo fictício são figuras como Carmela Soprano (Edie Falco) e Adriana La Cerva (Drea de Matteo), do seriado The Sopranos, que acaba de completar 25 anos de exibição e vive um boom de redescoberta pela geração Z, de até 25 anos de idade. Há apreço também pela Karen Hill (Lorraine Bracco) de Os Bons Companheiros (1990) e a Ginger McKenna vivida por Sharon Stone em Cassino (1995), filmes de Martin Scorsese. De modo discreto, mas não invisível, há homens que copiam o vestuário de Tony Soprano, interpretado por James Gandolfini. Até Francis Ford Coppola, o pai da trilogia O Poderoso Chefão, dos anos 1970, precursor da maré do banditismo ítalo-americano, deu seu pitaco, mas com ironia. Em sua conta no Instagram ele anotou: “Ouvi dizer que a estética da mulher de mafiosos está de volta”. Mas pontuou, como quem ri da invencionice: “Minhas inspirações foram minha mulher, Eleanor, e minha irmã, Talia Shire”.
Fora das telas, na vida real, celebridades como a cantora Dua Lipa e as empresárias e influencers Kendall Jenner e Kim Kardashian aderiram à ideia e deram as caras com jeitão mafioso. Na alta-costura, alguns elementos apareceram nas passarelas de Jean Paul Gaultier e Dolce&Gabbana. Dada a efemeridade contemporânea do que ecoa por meio da internet, faz-se muito barulho, no avesso da omertà siciliana, mas não demora para a maré baixar. “As mob wives nada mais são do que as nossas peruas”, resume Mariana Cerone, professora de moda e luxo da ESPM, de São Paulo.
Quem defende a postura toca em um ponto interessante, colado aos humores de nosso tempo. “Para muitas pessoas, a esposa da máfia pode estar associada a uma mulher forte, independente e que não tem medo de assumir o seu controle”, diz Cacau Cláudia Martins, professora do curso de moda da Universidade Anhembi Morumbi. Sim, mas convém lembrar que, nas telas da ficção, as personagens femininas mais poderosas costumam ter papéis acessórios aos dos homens nos filmes de máfia. A beleza, a sensualidade, a graça e a juventude são apenas escada para o sucesso ou a derrocada do fortão do universo masculino.
Um conselho, caso as mob wives apareçam em seu fio de postagens. Aproveite enquanto é tempo, porque rapidamente tendem a ir embora com a velocidade com que vieram, em selfies e muito marketing. O exagero de agora é resposta imediatista ao que veio antes, durante a pandemia, de valorização da discrição, com peças clássicas de caimento perfeito. “A moda tem seus ciclos”, diz Mariana Cerone. “É o que estamos vendo agora, em pêndulo natural.” Não demora, tão logo despontem novos fenômenos de entretenimento, as peças de vestuário mais aplaudidas tenderão a contar uma outra historia. Nem é preciso ir longe: outro dia mesmo, no ano passado, o rosa inspirado na Barbie campeã de bilheterias estourou, para depois sumir. Ninguém sabe, ninguém viu.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880