Rótulos de cachaça da década de 1920, calendários de mercearia, enciclopédias ilustradas antigas, fachadas de bares e quitandas pintadas a mão. Todo o universo ligado à vida cotidiana do interior serve de referência ao estúdio Arado, que busca inspiração no imaginário rural para desenvolver seus produtos. Assim, se afasta da produção contemporânea, urbana e capitalista de outros estúdios de design. E, com essa estética, vem chamando a atenção.
“Quando uma pessoa vê pela primeira vez [um produto do Arado], a impressão é de que já viu aquilo antes. Então, de alguma forma, o Arado acessa uma memória afetiva, uma memória gráfica. Porque a gente fica revisitando esses códigos de um Brasil que já aconteceu, mas ainda sobrevive”, afirma o artista plástico Bruno Brito, fundador do estúdio.
Sediado no pequeno município de Queluz, no interior de São Paulo, o Arado surgiu com o objetivo de valorizar a arte rural, baseando-se em imagens e símbolos ligados a um modo de vida que hoje é menos comum no Brasil, afinal mais de 80% da população vive em cidades. O projeto busca associar três universos distintos: o pessoal, vinculado às experiências de vida e às memórias afetivas de sua equipe de criação; o artístico, afinal o design também é uma forma de arte e a pesquisa, que busca converter a cultura caipira em objeto de inspiração; e o interesse público.
O estúdio foi fundado por Bruno em 2018, e hoje conta com a parceria do sócio Luis Matuto, do ilustrador Cassius Rocha e de uma equipe de colaboradores que compartilham entre si a experiência de uma vida ligada ao interior e o desejo de valorizar essas referências. E elas, de fato, vem sendo valorizadas e reconhecidas. Em 2022, a 12° edição do prêmio Brasil Design Award consagrou o Arado como grande vencedor, ganhando a aprovação unânime na categoria de Destaques do Ano, conquistando público, júri e Grand Prix. Além de ter sido a revelação do ano, o grupo de designers ainda recebeu medalhas de prata e bronze em outros projetos.
Brito acredita que a aprovação que o estúdio vem recebendo reflete um fenômeno maior, de redescobrimento da cultura brasileira, que acontece tanto em micro quanto em macroesferas, com fenômenos culturais rurais se popularizando nas cidades. Para ele, o fato de o Arado ter sido escolhido como destaque em uma premiação dessa proporção reflete uma mudança de olhar. “Quando o Júri fala que a gente é o destaque do ano, eu acho que está envolvido o fato da cultura brasileira está sendo olhada de outra forma. E as mudanças sociais também são estéticas. Então, se fomos reconhecidos, é porque essa demanda gráfica brasileira cresceu”, afirma.
O reconhecimento refletido na premiação anima os ganhadores para o potencial desse universo no cenário cultural brasileiro e estimula novas metas para 2023. Há expectativa que o estúdio desenvolva projetos maiores e amplie seu público, e espera-se também que iniciativas semelhantes à desenvolvida por eles surjam em outros lugares.
Juntamente com o estúdio, o grupo comanda o Instituto Arado, um projeto sem fins lucrativos. No instituto, o foco é o desenvolvimento de pesquisas que têm como objeto o mundo rural. Busca-se, assim, divulgar signos do repertório popular brasileiro. Um acervo digital de livros que abordam essa temática é constantemente alimentado. Em 2021, o instituto lançou a Rádio Arado de Ouro, um podcast que mistura a memória de programas de rádio antigos com a divulgação de conhecimento e pesquisa sobre o Brasil caipira. Este projeto é um dos preferidos de Bruno, que espera poder retomá-lo em 2023.
Além de desenvolver projetos para marcas e de estabelecer parcerias como, por exemplo, a feita com a Editora Fósforo, que resultou em algumas capas de livros, o estúdio mantém uma loja onde disponibilizam diversos produtos com a estética típica que vem desenvolvendo. Nos produtos, as referências não se restringem apenas ao repertório visual e estão presentes até mesmo nas técnicas empregadas na linha de produção, que envolve a mistura de processos analógicos e digitais.
O calendário, por exemplo, grande destaque de vendas do site, têm desenhos feitos à mão e impressos em máquinas antigas, das décadas de 1960 e 1970. Essa escolha pode resultar em pequenos ruídos e informações gráficas típicas do processo analógico. Longe de ser um defeito, essas informações compõem o projeto estético do grupo e buscam aproximar ainda mais seus produtos de suas referências antigas.
Bruno acredita que o maior feito do estúdio é relembrar a beleza e o valor dessa estética. “Acho que o Arado mostrou um pouquinho que tem muito valor ali [na estética caipira]. E aquilo pode virar algo com muita essência e que de fato aquilo é Brasil. Então, o que a gente pegou no Arado foi realmente essa a essência da produção de imagem brasileira. Pegou isso, organizou e colocou pro público das mais variadas formas”, conclui.