No imaginário popular, falar em tranças é lembrar de Rapunzel, a princesa criada em 1812 pelos irmãos Grimm que, aprisionada em uma torre, joga as longas tranças para que o príncipe possa chegar a seus aposentos. Em 2010, o conto de fadas foi adaptado pela Disney no filme Enrolados. A Rapunzel de uma década atrás, contudo, não causou tanto alvoroço quanto a versão de outra princesa que vem por aí: Ariel, que no primeiro live action de A Pequena Sereia, com estreia prevista para maio do ano que vem, troca os cabelos soltos e ruivos da animação original pelos dreadlocks da atriz Halle Bailey. Ela traz à tona um dos novos significados do penteado, símbolo de resistência negra. Ambas as personagens, a Rapunzel dos irmãos Grimm e a sereia de Bailey, inspiram uma tendência de estilo que deixou as passarelas a caminho do onipresente TikTok, com mais de 9 bilhões de visualizações para os vídeos com a hashtag #braids (tranças, em inglês). É um fenômeno, possível marca do verão de 2023.
Celebridades já as incorporam: das múltiplas trancinhas como as de Madonna às “marias-chiquinha” da atriz Vanessa Hudgens ou a trança única à la boxeadora como a da top model brasileira Adriana Lima, vale tudo. “Essa é a graça da trança. Fica bem na negra, na loira, na ruiva, na morena e pode ser feita em cabelo liso, crespo, comprido, curto”, diz o cabeleireiro Mario Nova, sócio do Hello Beauty Concept, localizado em Miami, nos Estados Unidos. Nas passarelas internacionais, elas apareceram em desfiles da Prada, Missoni, Giorgio Armani, Ferragamo, Bottega Veneta, com destaque para as formas gráficas da Etro. Em Nova York, surgiram nos clássicos rabos de cavalo — com lindas apostas de Collina Strada e Proenza Schouler — criando mais uma tendência nas redes sociais, sob a hashtag #braidedponytail, com mais de 180 milhões de visualizações.
As tranças resistem ao tempo. Os primeiros registros são de cerca de 28 000 anos antes de Cristo, nas estátuas Vênus de Brassempouy e Vênus de Willendorf. Mas a técnica de trançar os cabelos só foi identificada muito tempo depois, há 3 500 anos a.C., na Namíbia, na África, onde as mechas trançadas eram usadas como símbolo de status social e de identificação de tribos, etnias, estado civil, religião e posição social. Também eram uma forma de se socializar: como levam tempo para fazer, era o momento de convivência e troca de conhecimentos. No continente africano, aliás, as tranças entrelaçam o passado com o presente até hoje como ferramenta de linguagem de resistência racial, assegurando identidade e autoestima.
No Antigo Egito, eram usadas por nobres e ricos. Na Grécia Antiga, eram feitas com arames e linhas e armadas em coques. Para o Brasil, foram trazidas pelos escravos e tiveram o ápice nos anos 1970, durante o movimento hippie. Agora, estão de volta, como manifestação de estilo diversificado, universal e democrático. Convém segurá-las, quando arremessadas da torre, porque representam um modo de vida, um manifesto no corpo.
Publicado em VEJA de 12 de outubro de 2022, edição nº 2810