“Eu gosto de estar bem-vestida ou inteiramente despida. Não me preocupo com o meio-termo”, disse, certa vez, Marilyn Monroe. A loira mais famosa do cinema não vivenciava nada pela metade, nem mesmo mesclava ou confundia sua dupla personalidade: Norma Jeane, nome de batismo da atriz americana criada pela mãe, Gladys Baker, paciente com distúrbios mentais, e desesperada para ser amada; e Marilyn Monroe, estrela de Hollywood que se tornaria o maior símbolo sexual de todos os tempos. Ambas personalidades bem distintas para a artista, quase como duas pessoas independentes. Tanto que ela constantemente se referia a si mesma na terceira pessoa: “Monroe não faria assim”. E durante sua vida — breve, de apenas 36 anos, encerrada em 1962 — uma das características que mais evidenciaram a diferença entre a atormentada Norma e a célebre Marilyn foi a moda, elemento fundamental na construção da imagem sedutora da estrela, da qual ela tinha plena ciência e sabia manipular como ninguém.
Do cabelo platinado aos vestidos, ora dramáticos e sensuais, ora mais suaves evocando uma mulher recatada, não há outra figura na história da cultura pop mundial cuja forma de se vestir seja tão atrelada a uma pessoa quanto ela. O poder das roupas, cabelo, joias e maquiagem na construção do mito está agora claro no filme Blonde, da Netflix, que traz a atriz Ana de Armas no papel principal. O longa do cineasta Andrew Dominik tem um dos pontos fortes no impecável figurino, mérito da figurinista Jennifer Johnson. Ela soube identificar, relacionar e diferenciar as duas partes da psique da atriz e, de forma cirúrgica, delineá-las pelas roupas e acessórios. Johnson estudou os estilos de Norma Jeane e Marilyn por meio de um catálogo de fotos da loira apelidado de “Bíblia”, com mais de 800 páginas reunidas pelo diretor do filme durante dez anos. Ao final, a obra apresenta a personagem por cerca de 100 modelos. “O figurino foi crucial para separar as duas personalidades de Marilyn”, diz a figurinista Gogoia Sampaio.
No trabalho de recriação dos modelos para a biografia, houve zelo especial com as técnicas de costura e dos tecidos que dariam o movimento de modelos lendários como o branco plissado da insinuante cena do vento em O Pecado Mora ao Lado e o modelo rosa-choque de Os Homens Preferem as Loiras, ambas criações do estilista William Travilla. As cores, aliás, também foram levadas em conta para separar Marilyn de Norma Jeane que, na vida particular, adotava um estilo minimalista com tons sóbrios e suaves em calças capri, suéteres de gola alta e vestidos brancos e azul-bebê. Jeane, afinal, não era obcecada por roupas. Contudo, tinha consciência da mensagem que seu visual de estrela passava por meio dos filmes e revistas, e fazia uso disso não só para impulsionar sua carreira, mas para ganhar destaque na imprensa. Blonde deixa evidente esse talento da loira e mostra que, na realidade, a moda criou Marilyn Monroe. Sem o seu poder de transformação, o mito não existiria, vestida ou nua.
Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811