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Depois de agitar os anos 1960, o LSD volta a se infiltrar nas pistas

Suspensas as barreiras contra aglomerações, a busca frenética pela sensação de liberdade estimulou a demanda por alucinógenos

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 4 jun 2024, 10h59 - Publicado em 17 dez 2022, 08h00

Ele atende por diversos nomes: gota, doce, ácido. O mais conhecido, porém, sempre foi e continua sendo LSD, abreviação em inglês de dietilamida do ácido lisérgico, um dos alucinógenos mais potentes já concebidos. A droga foi criada em laboratório pelo químico suíço Albert Hofmann em 1943 e, devido a seu potencial de expansão da consciência, logo passou a ocupar lugar de destaque no receituário de psiquiatras e psicanalistas, impressionados com os efeitos do uso terapêutico no tratamento dos problemas da mente. Daí para a pura e simples experiência psicodélica foi um passo, desencadeando as “viagens” na qual, de tempos em tempos, os jovens, principalmente, embarcam em bando.

A primeira grande onda de consumo de LSD ocorreu na década de 60, quando o ácido virou símbolo do movimento de contracultura nos Estados Unidos e droga inspiradora de ídolos musicais — John Lennon dizia que Revolver era o “álbum ácido” da banda. A segunda foi registrada nos anos 1990, quando tomou conta das pistas embaladas por música eletrônica nos clubes noturnos. Agora, dá-se o terceiro retorno — LSD ou similares movem as raves moderninhas das grandes cidades em diversos cantos do mundo, Brasil inclusive.

AMBIENTE - Festa no Rio de Janeiro: bebida, ácido e pelo menos mais uma droga -
AMBIENTE - Festa no Rio de Janeiro: bebida, ácido e pelo menos mais uma droga – (Duda Monteiro de Barros/VEJA)

Como parte integrante desse movimento, pesquisadores ligados ao Instituto de Criminalística de São Paulo, à USP e à Unicamp chamam a atenção para a apreensão no Brasil, pela primeira vez, de ALD-52, uma pró-droga — assim chamada porque ela só se transforma em LSD depois de metabolizada pelo fígado. “A pró-droga contém pequenas modificações químicas que evitam sua inclusão automática na lista de lisérgicos proibidos pela Anvisa. Ela é feita para burlar a lei”, explica o perito criminal Luiz Neves, autor do estudo sobre sua presença no país publicado na Forensic Science International. Nesta terceira onda lisérgica, o alucinógeno embebido em tiras de papel altamente absorvente que dissolve na boca — e que tem exatamente as mesmas propriedades alucinatórias do ácido convencional, mas demora um pouco mais para agir e é cerca de 20% menos potente — só havia sido detectado no Japão, no Reino Unido e na França.

De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas da ONU, cerca de 275 milhões de pessoas, a maior parte jovens, passaram a consumir álcool, drogas ou os dois no ano passado, mais uma deletéria consequência do enclausuramento, do tédio e do estresse provocados pela pandemia de Covid-19. Suspensas as barreiras contra aglomerações, a busca frenética pela sensação de liberdade estimulou a demanda por alucinógenos como o LSD, que altera as conexões neurais e a percepção de tempo e espaço, produzindo delírios e sentidos exacerbados — propriedades apregoadas como benéficas pelo psicólogo americano Timothy Leary, o guru da contracultura que defendeu a vida toda a liberação do ácido.

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A reportagem de VEJA esteve em uma festa na região central do Rio de Janeiro, para ver de perto como funciona a diversão movida a ácido. Em ambiente escuro, com pontos de luzes vermelhas e efeitos de fumaça, pessoas das quais é impossível enxergar o rosto com clareza se movem em torno de um pequeno palco, onde um DJ toca música eletrônica compassada. A bebida, comprada no local, em geral é consumida junto com no mínimo duas substâncias ilícitas. “Costumo misturar álcool, LSD e maconha na mesma noite. Sou muito atraído pelo afloramento sensorial provocado pelo doce”, conta um publicitário carioca de 31 anos que não quis se identificar.

PRIMEIRA VEZ - Pró-droga apreendida no Brasil: em papel -
PRIMEIRA VEZ - Pró-droga apreendida no Brasil: em papel – (Polícia Civil-PB/.)

A combinação de substâncias é justamente o maior risco para a saúde. “Existe uma cultura de abuso nas festas, onde não se pode mostrar fraqueza. Muitos jovens nem sabem o que estão ingerindo e podem ter uma intoxicação grave”, alerta o psicólogo Sandro Rodrigues, diretor da Associação Psicodélica do Brasil. O fato de o “doce” ser proibido no Brasil também aumenta a chance de ele ser adulterado, abrindo a possibilidade de ocorrência de paranoias, crise de pânico e até surtos psicóticos. A estudante paulista L.H., 23 anos, admite que adquire o ácido “na cara e na coragem” — paga em média entre 50 e 100 reais pela dose, sem nenhuma garantia de pureza. “Já tive uma experiência terrível em que senti que estava enlouquecendo”, lembra L., que mesmo assim segue consumindo LSD em festivais de música.

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Não é só em rave que o ácido lisérgico retoma sua primazia. Estudos recentes apontam resultados promissores de seu uso no tratamento de depressão, ansiedade e outros distúrbios e parte da comunidade científica defende a ideia de que o psicoativo — desde 1971 na lista de substâncias prejudiciais das Nações Unidas — volte a ter utilidade terapêutica. “Estamos diante de uma nova fase da discussão sobre o ácido, que ficou por anos a fio debaixo do pano”, diz Henrique Carneiro, historiador social especialista em drogas. Por ora, todo o cuidado é pouco.

Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820

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