Das quadras para as ruas, tênis vira vitrine para tendências de estilo
Atletas e grifes quebram os ares aristocráticos e imaculados do esporte
Um dos grandes tenistas da história, se não o mais vitorioso, certamente o mais clássico, de movimentos perfeitos, bailarino com a raquete, o suíço Roger Federer parecia estar se referindo a si mesmo quando lhe pediram uma definição do esporte que praticava: “elegante”. É definição adequada, de mãos dadas com a história do esporte. Desde o berço, no século XVI, quando o rei Henrique VIII, da Inglaterra, mandou construir uma quadra em um de seus palácios, a atmosfera aristocrática — elitista, sim — levou também aos armários da moda a cativante atividade.
Não por acaso, as quadras de grama do vetusto torneio de Wimbledon, o mais antigo, criado em 1877, virou palco do imaculado branco — embora já não seja mais assim. A cor alva simbolizava o purismo, mas também visava a “diminuir a visibilidade das manchas de suor dos tenistas”, consideradas “socialmente inadequadas”, segundo a enciclopédia Britannica. Foi difícil, para o tênis, tirar o peso desse passado tradicional, e talvez por isso mesmo nunca tenha alcançado o sucesso do cotidiano, fora dos campeonatos, como aconteceu com o futebol e o basquete. A história, enfim, começa a mudar. O tênis, de algum modo, se populariza nas ruas (com o toque de classe, é evidente, e com produtos ainda caros): no TikTok, termômetro incontornável de nosso tempo, a tendência “tenniscore” já bateu 4,5 milhões de visualizações. É muita coisa. Vê-se a onda de interesse também nas luminosas vitrines europeias e americanas.
Os atletas perceberam os novos ventos, sabem da relevância do marketing e compraram a ideia. O próprio Federer chegou a ser multado por ter usado em Wimbledon calçados coloridos. Agora, o italiano Jannik Sinner virou estrela não pela performance, mas por ostentar uma enorme bolsa da Gucci, marrom e dourada, com alças verdes e vermelhas — tudo com a devida autorização do torneio (e regiamente pago). O prodígio espanhol Carlos Alcaraz, embaixador da Louis Vuitton, surgiu de regata estampada, assinada pela Nike. Federer — sempre ele! — assina uma coleção da Uniqlo, em parceria com o designer Jonathan Anderson, da Irlanda do Norte.
O atual movimento, que não para de crescer — o mercado de atuais 2 bilhões de dólares anuais chegará a 2,7 bilhões em 2031 —, é quase uma homenagem ao pioneiro dessa travessia dos games e sets para o dia a dia. Na década de 1920, o francês René Lacoste, conhecido como “crocodilo”, dada sua tenacidade, trocou as roupas pesadas por short e camisa curta de algodão. Foi assim que a polo da Lacoste e o animal que estampa a grife conquistaram o mundo. A Lacoste foi atropelada por outras grifes, muita gente esqueceu sua origem esportiva, e eis que a roda gira. O tênis é estiloso, ponto. Vale lembrar um comentário de Serena Williams quando foi forçada a tirar um macacão em Roland Garros, no longínquo ano de 2018: “Você pode tirar o uniforme da super-heroína, mas não meus superpoderes”.
Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868