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“Cozinha é identidade. Devemos ter orgulho de nossa origem”, diz chef mexicano Roberto Solís

Em visita ao Brasil, o cozinheiro natural da península de Iucatã fala sobre a influência da cultura maia em seus pratos e o crescente interesse pelo país

Por André Sollitto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 set 2024, 13h33 - Publicado em 17 set 2024, 12h51

Destino turístico obrigatório para quem visita o México, a península de Yucatán (ou Iucatã, na versão brasileira do nome) é conhecida pelas ruínas impressionantes da civilização Maia que lá viveu entre 2 mil a.C. e 1697, quando foi definitivamente exterminada pelos espanhóis. Mas também tem uma vibrante gastronomia ainda pouco conhecida por aqui. Trata-se de uma cozinha que mantém tradições milenares, focada no uso do milho, da carne de porco e de peru, muitas vezes cozidas em buracos feitos no chão e envolvidas em pastas elaboradas com pimentas e condimentos queimados. E que tem no chef Roberto Solís um de seus maiores representantes.

À frente do Néctar e do Huniik, ambos na cidade de Mérida, Solís tem se dedicado a promover a cultura de sua terra. “Abri o Néctar em 2003 como uma forma de devolver algo à minha comunidade”, diz ele. O cozinheiro recebeu o prêmio de melhor chef de Yucatán, ao lado de Wilson Alonzo, na premiação The Best Chef Awards de 2023.

Além do trabalho que faz em seus restaurantes, Solís organiza, há cada dois anos, o festival gastronômico Hokol Vuh. O nome faz referência à obra Popol Vuh, registro da cultura maia, escrito em forma de poema, que fala da criação do mundo e da humanidade. O chef convida outros profissionais de diversos restaurantes estrelados pelo mundo, como o dinamarquês Rene Redzepi, do Noma, a eslovena Ana Ros, do Hiša Franko, e o russo Vladimir Mukhin, do White Rabbit, entre outros. Eles visitam pontos turísticos, locais importantes da cultura maia e, em duplas, desenvolvem pratos para um menu em vários tempos. O banquete final é servido em um sítio arqueológico maia em Yucatán. A edição mais recente aconteceu no início deste ano, e a próxima está marcada para o final de fevereiro de 2026. Os ingressos estão à venda e custam 35 mil pesos (quase 10 mil reais).

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Festival Hokol Vuh é celebrado a cada dois anos em sítio arqueológico maia – (Reprodução/Reprodução)

Em visita ao Brasil, Solís participou de uma aula na universidade Anhembi Morumbi, mostrando algumas técnicas yucatecas para alunos do curso de gastronomia. Fez o “recado negro“, uma pasta elaborada com pimentas queimadas no forno e outros temperos. Misturada com farinha, maisena e ovo, pode ser usada para envolver pétalas de cebola, como um “tempura mexicano”. Tem um sabor complexo, defumado, levemente picante. Também preparou um menu a seis mãos com Luana Sabino e Eduardo Nava, responsáveis pelo Metzi, um dos melhores restaurantes mexicanos de São Paulo. A dupla usa ingredientes brasileiros e técnicas mexicanas para apresentar os sabores do México, especialmente da região de Oaxaca, terra natal de Nava.

Em entrevista a VEJA, Solís fala sobre sua visão da comida mexicana, a influência maia em seus pratos e o interesse global pelos sabores do México.

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Como definir a cozinha de Yucatán?
Por muitos anos, a região não tinha conexão com o restante do México. Portanto, criou-se uma cozinha diferente do resto do país. No centro do México estão os moles e salsas cozidos por muito tempo. No norte há uma cozinha mais prática e simples, por conta do calor extremo e da falta de água. E Yucatán, por algum tempo, foi o Estado mais rico do país por conta da fibra de henequém, usada para fabricar cordas para navios. Tínhamos relações com Cuba, Nova Orleans, nos Estados Unidos, Paris, Espanha… Então, tudo isso moldou nossa cozinha. Para mim, a comida de Yucatán é mais elegante. Tradicionalmente, usa poucos vegetais. São sabores mais suaves, sem a potência de um mole. E há a influência maia.

E quando falamos em Nova Cozinha Yucateca, o que isso significa?
É a evolução da cozinha tradicional. Os sabores são clássicos. Mas com técnicas e ingredientes que encontramos nos dias de hoje.

Estamos vendo os efeitos das mudanças climáticas. Como a cozinha pode ter um papel em reverter esse cenário? É possível pensar em maneiras mais sustentáveis de cozinhar?
Sim. Para começar, é fundamental usar todo o ingrediente, sem desperdício. Ou “zero waste”, como dizem. Temos que ter cuidado com o meio ambiente. Usando painéis solares, por exemplo. Usando a água de forma mais responsável, captando nossa própria água. Essas são algumas das coisas que podemos fazer agora.

Você organiza o evento Hokol Vuh a cada dois anos. Como a cosmogonia maia influencia sua forma de cozinhar?
Cozinha é identidade. E o mais importante é como você transmite essa identidade. Temos que ser orgulhosos do lugar de onde viemos e de nossos ingredientes. Temos muita cultura e isso nos ajuda a sermos mais interessantes e autênticos. A influência maia, a cosmogonia, suas crenças, todos esses temas, nos dão ideias brilhantes. E nos fazem trabalhar com uma ideologia em mente. No final, criam-se pratos que têm sabor, mas também tem alma. o cliente sente o sabor, mas percebe também que há sentimento ali.

Como é seu processo criativo?
Começamos com os ingredientes. As ideias vêm depois. Às vezes, temos as ideias, mas faltam os ingredientes, e eles só vão aparecer um tempo depois. Em outras, as ideias começam a aparecer, mas não se transformam em pratos imediatamente. É como uma negociação. Então, de repente, depois de meses, você acha uma solução. Em outras, ele simplesmente surge. Uau. E ele fica bom logo na primeira tentativa. O principal é ter paz mental. Sem ela, não sou capaz de produzir nada.

Como você elabora o menu em seus restaurantes? Há uma troca constante de pratos?
Não fazemos menus por temporada, como se fosse uma tendência de moda. Yucatán não tem estações tão definidas. Ou há chuva, ou não há. Então vamos mudando o menu aos poucos. Trocamos um prato, depois outro. Não substituímos tudo de uma vez.

Você está aqui no Brasil realizando esse evento, mostrando sua cozinha para alunos de gastronomia e para clientes de outro país. Também participa de um programa na Netflix. Como vê a importância de participar dessas atividades para divulgar a cozinha iucateca?
O mais importante é dar informação, é levar conhecimento a quem está disposto a aprender. Não é para falar de si mesmo. Acredito que os cozinheiros devem falar de coisas que as pessoas possam aprender. Não venho aqui para falar dos pratos do meu restaurante. Acho muito mais interessante falar de sua identidade, do lugar de onde veio.

Você vê similaridades entre a cozinha mexicana e a brasileira?
Sim, muitas. Ambos temos influências africanas e caribenhas. Há alguns ingredientes que vocês usam mais que nós, e outros que usamos mais que vocês. Mas há muitas coisas que tanto os brasileiros quanto os mexicanos usam. São sabores fortes também. Talvez não tanto quanto em outras regiões do México. Mas os sabores são conhecidos. O milho, o cominho, o leite de coco… São todos ingredientes que usamos muito.

Por que o Brasil não tem um interesse maior na cozinha mexicana? Conhecemos culturas gastronômicas muito mais distantes, mas pouco do México.
É porque faltam restaurantes. É a única maneira. A globalização dá acesso a muitas informações, mas algumas coisas naturalmente tomam mais tempo. Claro, há a comida Tex-Mex, que é conhecida. Mas temos que mostrar que o México não é só isso. Há muitas outras opções. E isso está acontecendo no mundo todo.

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Como assim?
A comida mexicana vive um momento de interesse global. Como aconteceu com a cozinha italiana há algum tempo. Ou com a japonesa. Agora, estão começando a olhar com mais atenção para o México. Você pode ir a qualquer lugar e começa a ver uma tortilla. E isso me encanta.

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