“Cada escola que entra na avenida é um milagre”, diz Milton Cunha
Em entrevista exclusiva a VEJA, o carnavalesco falou sobre sua popularidade, projetos futuros e amor pelo Carnaval
Na efervescência do Carnaval, um nome ressoa com exuberância: Milton Cunha. O paraense de 61 anos, reconhecido por seus ternos reluzentes e uma eloquência recheada de superlativos, não apenas conquistou o coração dos cariocas, mas também cativou o Brasil. Desde seus primeiros passos como carnavalesco da Beija-Flor de Nilópolis, em 1993, até tornar-se uma figura onipresente nas festividades, Milton transcende os limites do Carnaval, espalhando-se através de vídeos motivacionais para seus mais de 1 milhão de seguidores nas redes sociais, aparições na televisão, jornais e programas de entretenimento, e até mesmo em aplicativos como o Waze e nos alto-falantes do metrô do Rio de Janeiro, onde direciona os foliões com seu timbre ímpar.
Amante da cultura popular, Milton Cunha não se distancia da erudição, sendo doutor em teoria literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e acumulando dois pós-doutorados pela mesma instituição, além de ter três livros publicados e um quarto projeto em gestação. Em uma entrevista exclusiva concedida a VEJA, o carnavalesco compartilha sobre sua trajetória, seus projetos futuros, o desejo de se tornar a voz do Festival de Parintins na TV Globo e, é claro, sobre a paixão inextinguível pelo Carnaval, que, para ele, jamais tem fim.
Qual foi o estopim que fez com que você entrasse no mundo do Carnaval e se tornasse praticamente sinônimo dessa festa?
Minha relação com o Carnaval começa criança, nos bailes. Eu era apaixonado pela fantasia, pela máscara, pelo personagem. Desde criança eu me fantasio: índio, pirata, árabe… Depois eu venho morar no Rio. Em 93, o Anísio (Abraão David, presidente da Beija-Flor de Nilópolis) e a mulher dele, a Fabíola, me convidam para ser carnavalesco. Eu apresento Margareth Mee, a Dama das Bromélias. Então é assim: eu durmo psicólogo e acordo carnavalesco. É algo que cai no meu colo, mas eu estava muito preparado. Eu tinha estudado muito e, quando percebo que na minha mão está a maior vitrine da cultura popular brasileira, eu me jogo com força total.
Te vemos em jornais, em programas de entretenimento, como comentarista, apresentador. Te vemos na TV aberta, no streaming, em documentários e te ouvimos até mesmo no metrô, além, claro, das redes sociais, onde você soma mais de 1 milhão de seguidores. Como é para você atuar em tantas frentes e ver seu trabalho em plataformas tão diversas? Alguma preferida?
Eu estou na televisão, no jornal, escrevendo coluna desde 1990. Eu já sou velho. Só que eu fazia pontas. Fiz rádio com o (Roberto) Canazio por dez anos, fiz o Sem Censura, com a Leda Nagle, outros dez, fiz a transmissão do Festival de Parintins pela Band… Eu vim comendo pelas beiradas. Pedi chance para o Daniel Filho, ele disse não. Roberto Talma disse não. Um monte de gente disse não, mas eu também não desisto, eu peço! Pedi pro Miguel Athayde, e ele disse sim, e eu entrei. Quando eu entro, com essa minha voz, essa minha forma de falar, os meus superlativos… é um sucesso. O povo imita, o povo grita. Agora, estou no grande público. O pessoal do samba sempre pediu minha voz no Waze, no metrô e conseguiram. Vejo isso como o grande público me prestigiando. Eu amo o vídeo, gosto muito da imagem, dos trejeitos, do meu olho. Seja sério, fazendo minhas mensagens de bem viver, ou brincando, eu acho que o vídeo é o meu melhor.
O Carnaval, certamente, é o período mais intenso do seu ano. Há alguma preparação especial para aguentar essa maratona? Qual costuma ser o maior desafio para você?
A partir de outubro, quando começo a gravar o Enredo e Samba, começam a aparecer os convites, os trabalhos. Eu também quero ir às quadras, me divertir. Eu e meu marido frequentamos a quadra, dançamos, brincamos, vamos às escolas de samba. A gente também quer aproveitar. É muito cansativo, mas não abrimos mão de nada. Queremos fazer tudo! Dormimos nos táxis, nos aviões, sem saber onde estamos… é uma correria louca! Mas eu não tenho preparação. Cuido da voz, fico caladinho e vou fazendo o que tenho que fazer. O maior desafio é dar conta da demanda. Muita gente, muita foto, é tudo muito… Tem fim de semana que eu gravo quatro programas. Então, o principal desafio é saber onde eu estou.
O que é de Milton Cunha quando o Carnaval chega ao fim?
O Carnaval nunca chega ao fim para mim. Termina esse, e eu vou dar consultoria para o Carnaval de Brasília, vou para o Carnaval de Londres, de Coburgo, de Lausanne. Tem sempre uma demanda de Carnaval, e estou sempre pegando. De repente, chega setembro e começa tudo de novo. Mas eu uso março, abril, maio, junho, julho e agosto para estudar, para fazer um terceiro pós-doutorado. Não abro mão de estudar.
O que podemos esperar de projetos seus para o ano que acaba de entrar?
Vou escrever um novo livro, o meu quarto. Vai ser sobre as artes carnavalescas. Eu também fundei a Academia Brasileira de Artes Carnavalescas com a Célia Domingues de Mangueira, um outro desafio lindo e gigante. Sou o presidente, ela é a vice-presidente. Convidamos Rosa Magalhães para ser a presidente de honra. E já entraram, a nosso convite, Paulo Barros, Helena Theodoro, André Nascimento, Leonardo Bora, Gabriel Haddad e Leandro Vieira. A gente está montando o grupo, estamos indo.
A que você atribui ter se tornado esse grande ícone?
O meu sucesso é um tripé: muito estudo, muito enfeite, porque eu adoro e sou folião, e muita intimidade com o povo. Eu sou popular, não fico encastelado. Eu não sou do baile da socialite, sou do povo. Eu abraço, eu sento na calçada, eu bato papo, e isso é meu mesmo, é verdadeiro. É quem eu sou de verdade.
Especula-se a possibilidade de a TV Globo comprar os direitos de exibição do Festival de Parintins, dada a popularidade associada a Isabelle Nogueira, participante do BBB24. Muita gente não sabe, mas você é do Norte do Brasil (de Belém do Pará) e, coincidentemente ou não, o festival foi um dos temas a que se dedicou em sua formação acadêmica. Caso concretizado, poderíamos sonhar com um Milton Cunha comentarista do Festival de Parintins?
Eu já transmiti o Festival Folclórico de Parintins durante cinco anos pela Band. Tenho um livro pronto sobre ele, que ainda não consegui editar. Tenho uma relação profunda com o festival. É muito sedutor, muito lindo! Eu acho que o Brasil vai se encantar com a riqueza folclórica e cultural. E, se for transmitir, eu sou uma voz. Pela minha origem, pelos meus estudos, minha formação. Eu sou o cara para transmitir isso, né, amada?!
Por fim, algumas perguntas sobre o Carnaval. Antes de mais nada, qual escola leva o seu coração para a avenida?
A Beija-Flor, porque foi ela que me lançou no Carnaval, foi a minha primeira oportunidade. Mas sou movido por um amor à manifestação. Eu respeito, acho aquilo um milagre. Então, eu não torço. Tenho uma dívida de gratidão com o Anísio, mas não torço. Eu assisto, aplaudo todas e vejo quem foi melhor. Não sou torcedor, sou admirador. Cada escola que entra na avenida é um milagre. Chove, apaga a luz, pega fogo, carro quebra, abre buraco, a roupa não chega. É difícil botar aquilo na avenida, mas eles conseguem.
Enredo favorito?
Meu enredo favorito ainda não foi feito. Vou fazer um livro dele. Será sobre o amor que não ousa dizer o nome. A história dos LGBTQIA+ na história, desde a sacerdotisa Safo, de Lesbos, as lésbicas da ilha grega, até Rogéria, Valéria, Dzi Croquettes, Pabllo Vittar, Roberta Close. Passando pela história dos gays: Calígula, Triângulo Rosa, na II Guerra, Oscar Wilde, João do Rio…
Qual sua aposta para ser a grande campeã do carnaval carioca este ano?
Eu não aposto. Não acredito nisso… Só se ganha na hora, quando junta tudo. Uma tem o samba, a outra tem o barracão, a outra tem o enredo, a outra tem a porta-bandeira, mas tem que juntar tudo para ganhar. A bola tá rolando, quem errar menos leva.