Quando o Twitter surgiu, em 2006, parecia que uma utopia tinha se tornado realidade – na internet, um espaço se abria para que todo o mundo pudesse conversar civilizadamente. O mesmo aconteceu com Orkut e Facebook. Em priscas eras, a regra era clara: quanto mais amigos, melhor. Quem compartilha hoje das redes sabe que esse sonho antigo, e cada dia mais distante, caiu por Terra.
A mudança fica clara, hoje, em qualquer linha do tempo. O local que, antes organizado temporalmente, era cheio de fotos de amigos, famílias e pratos de comida, agora é tomado por um bocado de desconhecidos, organizados quase à revelia, produzindo conteúdo, memes e uma infinidade de anúncios. “Em um ambiente cada vez mais tóxico e agressivo, as pessoas foram desincentivadas a interagir publicamente e forçadas a se reunirem em grupos menores”, diz o chefe da escola de Jornalismo, Mídia e Cultura da Universidade Cardiff, Matt Walsh, em entrevista a VEJA.
O que se vê é que, de fato, as interações entre pessoas físicas diminuíram no ambiente público, enquanto a reunião em torno de influencers tomou todos os espaços – um formato que, favorecido pelos algoritmos, permite um modelo de negócios que, embora pareça mais um folhetim publicitário, finalmente se tornou sustentável para as plataformas.
Isso não significa, necessariamente, que as pessoas deixaram de interagir entre si, elas só não o estão fazendo publicamente. “É o que justifica o aumento do uso do WhatsApp e outros aplicativos de mensagens encriptadas”, diz Walsh. “As pessoas preferem interagir em grupos menores, onde seus pensamentos vão ficar restritos à seleção de pessoas em quem você confia.”
Na esteira do crescimento de aplicativos como Telegram e Discord, diversas outras mudanças também refletem o novo padrão de comportamento. No X, então Twitter, as chamadas “rodinhas”, spaces e comunidades logo conquistaram o público. No Instagram, o conteúdo produzido por influenciadores começa a migrar também para espaços menores nos directs. Nas lives do YouTube e da Twitch, as conversas em torno de assuntos bem mais específicos ganham mais adeptos.
As causas para isso são inúmeras e é difícil encontrar quem crave por definitivo a raiz das mudanças. “Arrisco dizer que o TikTok foi o marco dessa transição, com um desenho de plataforma que favorece o consumo de entretenimento e informação em um formato palatável”, afirma Benjamin Rosenthal, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas. “Isso sem dúvidas se refletiu nas outras redes, em detrimento das interações.”
Quem primeiro falou em pós-social foi Cris Dias, ex-funcionário do Facebook e o primeiro usuário do Twitter no Brasil. Em entrevista a VEJA, em julho de 2023, ele foi categórico.”O papel que o Facebook cumpria ninguém mais vai conseguir fazer e as relações vão continuar fragmentadas”, disse. “ Não haverá mais praça pública e as coisas continuarão assim até que encontremos uma alternativa que seja mais focada no público do que na plataforma.”
Quando se trata de redes sociais é difícil cravar a próxima tendência e ninguém se arrisca a chutar qual será o novo modelo. Todos os especialistas consultados pela reportagem são unânimes, contudo, em corroborar a fala de Dias. No futuro próximo, é pouquíssimo provável que as redes voltem a ser o que já foram um dia. Morreu o sonho da comunidade global – chegamos hoje, definitivamente, na era do pós-social.