Napoleão Bonaparte, dado a máximas adesivas, como se antecipasse os slogans de publicidade, não teve dúvida e cravou: “Na vitória, você merece champanhe; na derrota, precisa dele”. O líder militar francês talvez tenha sido a primeira grande personalidade da civilização — o.k., depois de Baco, com o perdão da licença poética e da postura pagã — a ter seu nome ligado a uma bebida. Ele adorava uma marca em especial, a Moët & Chandon, cujas garrafas personalizadas eram tingidas com o monograma “N”. Gostava também do Vin de Constance, renomado tinto doce sul-africano. Antes da morte na Ilha de Santa Helena, em 1821, teria pedido uma derradeira taça do líquido vermelho. Napoleão foi, enfim, pioneiro em uma modalidade de negócio: o do casamento entre gente muito conhecida e o álcool de qualidade, próprio para harmonização com a boa culinária.
É onda que ganha espaço, hoje, em fenômeno interessante demais para ser desdenhado. De atores como Dwayne Johnson e Ryan Reynolds a cantores como Jay-Z e Bruno Mars, as celebridades atrelam a fama (em busca de dólares e euros, é claro) a rótulos diversos. Até mesmo o piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton entrou no jogo, mas com uma tequila sem gradação alcoólica, por ser esportista. Um levantamento recente feito pela Somm TV, serviço de streaming especializado em vinhos, atesta o interesse. Em 2018 havia menos de quarenta rótulos associados a gente da ribalta. Em 2022 o número saltou para mais de 350 e continua em acelerada carreira. Todos parecem querer fisgar uma fatia do atrativo mercado global de estimados 2,2 trilhões de dólares em 2025. “Não se sabe ao certo quem procura quem, se os famosos as empresas ou as empresas os famosos, mas todos querem ser o próximo George Clooney”, diz Ale D’Agostino, fundador da APTK Spirits, especializada em coquetéis engarrafados.
Clooney, em 2013, entrou no mercado da tequila com o lançamento da Casamigos, aproveitando a crescente popularidade mundial do destilado, que ultrapassou o uísque como a segunda subcategoria mais valiosa nos Estados Unidos, ficando atrás apenas da vodca. O sucesso foi notável, levando à sua aquisição pela destilaria britânica Diageo por 1 bilhão de dólares em 2017. A Diageo também adquiriu a Aviation Gin, associada a Ryan Reynolds, em um acordo que rendeu cerca de 610 milhões de dólares. Outros investidores também colheram bons frutos, como Jay-Z, com a champanhe Armand de Brignac, em parceria com a casa de luxo LVMH (3 600 reais a garrafa). Dwayne Johnson, no ano passado, vendeu mais de um milhão de caixas de uma outra tequila, a Teremana, apenas entre americanos. Não demoraria, anunciou planos de expansão para o Reino Unido, a Alemanha, os Emirados Árabes, a Austrália e a Colômbia.
A fórmula do sucesso está em uma premissa bem conhecida, um tanto óbvia, mas que precisa ser repetida: celebridades criam um forte vínculo emocional com os consumidores e influenciam suas escolhas. Há um quê de machismo deslocado, com predominância masculina, como se apenas aos homens coubesse estar na seara. As exceções merecem ser celebradas. Sarah Jessica Parker, famosa pelos cosmopolitans de sua personagem Carrie Bradshaw em Sex and The City, lançou um sauvignon blanc. Kendall Jenner, estreante no mercado, introduziu a tequila 818. “Ainda são poucas as que investem em bebidas mais robustas, como uísque, por exemplo, que carrega uma imagem muito ligada à masculinidade, à figura do ‘machão’, mas isso está mudando”, afirma D’Agostino.
Eis a aposta desafiadora da atriz Melissa McCarthy, que há dois anos lançou o Big Nose Kate, uísque que presta homenagem a Catherine Elder, uma mulher que personifica o espírito audacioso dos caubóis do Velho Oeste. O site da bebida a descreve como alguém que “roubava cavalos, liderava esquemas de jogos de azar, gerenciava bares de todos os tipos, era destemida e estava sempre atenta a tudo”. É um equívoco, contudo, imaginar que apenas a divulgação e o bater de tambor resolvam a parada. Qualidade é fundamental. Convém, portanto, escutar o cineasta Francis Ford Coppola, um dos primeirões dessa aventura, celebrado fora das telas pela Coppola Winery, joia da viticultura do Napa Valley americano: “Beber vinho faz parte da vida, como comer”. Parece uma frase de efeito, como as de Napoleão, mas atire a primeira pedra quem discordar da ideia.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893