O diagnóstico de câncer veio como uma bomba. Foi uma grande surpresa, daquelas que fazem você repensar tudo. Em 2021, eu tinha só 15 anos e comecei a apresentar uns sintomas esquisitos — dor no estômago, tosse, falta de ar e febre sempre à noite. Passei por uma série de exames e, depois de seis meses, os médicos descobriram o que estava acontecendo. Após muito investigar, encontraram um tumor cancerígeno de 17 centímetros em meu peito e outro de 4 centímetros no pescoço. Me submeti a uma primeira cirurgia para extraí-los e quase não aguentei. Precisaram me ressuscitar. Era só uma adolescente normal, que não tinha ideia do que estava por vir. Com a quimioterapia, a imunidade baixou, e não dava mais para ir ao colégio e ver meus amigos. Mantive, porém, a esperança acesa, nunca deixei de tê-la, até que soube que não havia cura. Mesmo assim, jamais perdi o otimismo em relação aos dias que me restam, vividos intensamente, um depois do outro. E vou me despedindo aos poucos, nas redes e fora delas.
A luta contra um câncer vem cercada de dureza, e isso certamente me fez mais forte. Quando o tratamento parecia ir bem, de repente, o número de células cancerígenas dobrou, e comecei a apresentar resistência às medicações. Passei por imunoterapia e logo me indicaram para o transplante de medula óssea autólogo, em que eu seria minha própria doadora. O resultado foi bom, o que, de novo, me trouxe aquela sensação de que tudo iria dar certo. Mas, meses mais tarde, senti um caroço de novo no pescoço. Fiquei tão debilitada que não queria mais tratamento nenhum. Tudo isso dá um cansaço… Foi quando minha família e meu noivo me imploraram para seguir em frente. Só que era meu corpo que não queria. Tive reações alérgicas graves e cheguei a perder o movimento das pernas. Chorava e gritava de dor, apesar da morfina.
Depois da doença, comecei a compartilhar meu dia a dia nas redes. Antes de tudo, era uma forma de desabafar. Tenho recebido muitas palavras de afeto e de solidariedade. Me sinto abraçada. A ideia é também mostrar o que o câncer me ensinou. Compreender a finitude me fez enxergar a vida com outros olhos. Você não perde mais tempo com besteiras. A morte ainda é um grande tabu. É percebida pela imensa maioria das pessoas como algo terrível. Na minha visão, ela só é ruim para quem não consegue se preparar para esse momento. Confesso que meu único medo é morrer sozinha e sentindo dor. Fora isso, quando a hora chegar, tenho certeza de que vou estar em paz. O que me diferencia dos outros é que sei como e quando vou morrer. Aprendi a viver com isso.
No início do ano, os médicos avaliaram que eu só tinha mais seis meses de vida, um tempo que está expirando. Não há como curar o câncer, já fizemos de tudo. Atualmente, uma equipe multidisciplinar dedicada a cuidados paliativos trata da minha saúde mental, espiritual e física. A dor, amenizo com morfina e canabidiol, que vem ajudando. Apesar do sofrimento, tento encarar a situação de forma leve. Estou agora em uma cadeira de rodas, com dores e dificuldade para respirar. Nem lembro mais como é andar e dormir normalmente, coisas às quais nem dava atenção antes. É estranho: apesar de o câncer ter sido a pior coisa que me aconteceu, também foi a melhor. Amo a vida com uma intensidade como nunca. Aprendi a apreciar a simplicidade. Mesmo com medo do que está por vir, me permiti ser amada e até fiz uma festa de casamento dois meses atrás (na foto, com o vestido de noiva). Meu maior sonho sempre foi viver um amor verdadeiro, formar uma família, e isso eu tenho. Posso dizer, com todas as letras, que sou feliz.
Isabel Veloso em depoimento a Duda Monteiro de Barros
Publicado em VEJA de 28 de junho de 2024, edição nº 2899