Era improvável, mas aconteceu. Na entrega do prêmio SAG Awards, oferecido pelo sindicato de atores de Hollywood, no fim de fevereiro, Anne Hathaway desfilou dentro de um vestido azulão Versace com fendas infinitas. E então — surpresa, milagre! — o que chamou mesmo a atenção foi a franja, recém-cortada para rememorar a personagem vivida por ela em O Diabo Veste Prada. Foi a senha para instalar na crista da onda um penteado a um só tempo discreto e poderoso. Ok, Taylor Swift já vinha exibindo sua cortininha, mas foi Hathaway quem carimbou o renascimento do estilo.
Agora, celebridades como Selena Gomez e Lana Del Rey usam e abusam da fronte graciosa. Alcunhadas de “baby bangs”, voltam à cena também na cabeça de artistas adoradas pela juventude até 25 anos, como Zendaya e Olivia Rodrigo. Não demorou, por meio das redes sociais, para mulheres de carne e osso, gente como a gente, começarem a se inspirar. Quase sempre com fios mais longos e sobre os olhos, no avesso da versão clássica e retinha. “A franja é um acessório que pode mudar o rosto e até rejuvenescer”, diz Celso Kamura, cabeleireiro de famosas como Mel Lisboa, que também aderiu ao visual para ficar mais parecida com Rita Lee — a atriz vive a cantora no teatro, ao modo da ruiva rebelde, a ovelha negra da família. Marina Ruy Barbosa, igualmente ruiva, apareceu cortando seu próprio cabelo na frente de 42 milhões de seguidores. E dá-lhe combustível para tendência que atraiu 580 milhões de visualizações no TikTok.
A aparente ingenuidade do que se vê tem longa jornada. Na Pré-História, a franja com fios a cobrir os olhos era um modo de proteção contra sol e insetos. Os primeiros registros das franjas tais como as conhecemos, no entanto, remontam ao Egito Antigo. Naquela época, a prática de cortar o cabelo bem acima da sobrancelha era usada para evidenciar a inteligência da pessoa — além de lindas testas, é claro.
É por isso que Cleópatra, conhecida por suas habilidades políticas, é sempre retratada dessa forma — basta lembrar de Elizabeth Taylor e sua memorável representação da rainha egípcia no cinema, em 1963. Na década de 1920, a franjinha à la Cleópatra, aliás, servira de símbolo feminista, dando origem ao corte à la garçon (“rapazinho”), introduzido pela estilista Coco Chanel e adotado pelas mulheres nos Anos Loucos.
Mais adiante, em meados de 1950, o recurso foi usado para ressaltar a beleza delicada mas moderna de mulheres como Audrey Hepburn, cujos cabelos curtos produziram imensa revolta (e muita beleza, claro), especialmente de homens conservadores. Curtas, longas, retas, cheias, repicadas ou desfiadas, as franjas, que já foram criticadas pelo ar infantil e acusadas de cafonice, têm o dom das pequenas revoluções silenciosas. Mudam tudo, mas com discrição. São versáteis, soam banais, mas exigem o cuidado da tesoura de profissionais. Para quem quer brincar de ser outra pessoa, vale a pena. De Coco Chanel, frasista irrefreável, tradutora dos humores daquele tempo: “Uma mulher que corta os cabelos está mudando sua vida”. É verdade. Na dúvida, vá de franja.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2024, edição nº 2886