A curiosa fusão entre as cozinhas brasileira e colombiana
Jantar a quatro mãos entre Onildo Rocha e Catalina Vélez mostra como as tradições dos dois países dialogam de forma única
Para além da proximidade geográfica – são pouco mais de 2,2 mil quilômetros de fronteiras entre os dois países-, o Brasil e a Colômbia têm muito em comum quando o tema é gastronomia. A Amazônia, por exemplo, responsável por enorme diversidade de ingredientes e constante fonte de inspiração para chefs, ocupa 42% do território colombiano. Há alimentos em comum, bem como preparos semelhantes para diferentes insumos. Para mostrar o diálogo culinário entre os dois países, o chef Onildo Rocha, do Notiê (eleito chef do ano em 2022 pela VejaSP), e a chef Catalina Vélez, do Domingo, em Cali, na Colômbia, juntaram forças.
O jantar elaborado por ambos, Brasil Pachamama, faz uma homenagem a culturas diferentes, mas que se encontram justamente na maneira de pensar a comida. “Pachamama” significa mãe Terra na língua quechua falada pelos povos andinos. E a escolha do nome ilustra a busca de ambos por ingredientes, técnicas e conhecimentos ligados à alimentação que refletem a riqueza cultural dos dois países.
“A chef Catalina faz uma pesquisa na Colômbia muito parecida com a que fazemos aqui no Brasil. Ela chama a cozinha dela de Pachamama. A minha cozinha é Armorial“, afirma Onildo Rocha, em referência ao movimento cultural paraibano idealizado por Ariano Suassuna (1927-2014) que propõe uma arte baseada nas raízes populares, em especial da região Nordeste. “Os conceitos são muito próximos. E agora, na cozinha, descobrimos muito mais. A Amazônia, é claro, permeia toda essa história. Mas vamos trocando conhecimento e entendendo como usamos alguns ingredientes iguais, mas de formas diferentes, ou então encontramos usos semelhantes para os mesmos insumos”, diz ele.
O menu foi elaborado a partir de pratos do cardápio dos dois chefs. De entrada, Rocha apresentou um godó de banana, prato tradicional consumido pelos garimpeiros no Vale do Capão, na Chapada Diamantina, servido de forma delicada, em um único bocado. Vélez trouxe um tipo de biscoito finíssimo feito de tapioca recheado com uma ricota defumada e cristais de mel, daqueles que o recheio escapa para os lados a cada mordida. A entrada de Rocha, com várias texturas de caju, recheada com ovas e um caldo de tucupi, é um trunfo de técnicas e da versatilidade do fruto, enquanto o peixe curado com ervas, emulsão de araçá, chuchu e a fruta conhecida como caimito (natural da América Central, mas presente na Colômbia e em partes do Brasil) de Vélez, é um exemplo de diferentes usos para insumos que conhecemos. Os pratos principais refletem receitas típicas. Rocha fez um cordeiro com feijão, inhame e café, enquanto a chef colombiana elaborou uma releitura do atollado de pato, arroz feito com a carne da ave migratória.
É um exemplo da valorização dos produtos nacionais, elaborados com técnicas da alta gastronomia. “Quando fui estudar, a revolução espanhola de Ferran Adrià e a cozinha molecular estava acontecendo. Todo mundo que estudava comigo tinha uma inclinação natural a seguir por esse caminho. Eu também, naturalmente. Mas parei e falei: sou brasileiro, da Paraíba, do Nordeste. Temos uma cultura completamente diferente e quero permanecer com isso”, conta Onildo Rocha. “Entendi que fui estudar para entender o que tinha de produto no meu local. E é um movimento. O Brasil começou a valorizar o produto brasileiro. Muitas vezes o que a gente tem de forma abundante não é tão valorizado. Mas isso está mudando”, conclui.