No caso de amor entre a atriz Wallis Simpson (1896-1986) e o rei Eduardo VIII (1894-1972), que abdicou do trono em 1936 para ficar com a plebeia, o fato de ela ser uma americana divorciada não era o único a irritar a monarquia britânica. Sua enorme coleção de joias, boa parte delas presentes dados pelo então príncipe, também era motivo de incômodo — a coleção era maior e mais preciosa que a da própria rainha. Depois da morte da duquesa que estorvou a realeza, parte do seu panteão de brilhantes e dourados foi leiloada por 50 milhões de dólares. Outra atriz, Elizabeth Taylor (1932-2011), arrematou um broche de diamantes, item incorporado ao seu cipoal de adornos espetaculares, alimentado por Richard Burton (1925-1984), com quem ela se casou duas vezes. “Eu apresentei Liz à cerveja, ela me apresentou à Bulgari”, brincou o ator certa vez. O acervo da diva de olhos turquesa alcançou em leilão a estratosférica cifra de 137 milhões de dólares.
Contudo, apesar do estardalhaço dos ornamentos de Wallis e Liz, inigualáveis, nos últimos dias ganhou relevo o conjunto reunido pelo japonês Kazumi Arikawa, de 72 anos, tema de um livro com lançamento previsto para o início de outubro: o luxuoso volume Divine Jewels: The Pursuit of Beauty (ainda sem edição em português). Arikawa passou metade da vida construindo uma galeria com alguns dos mais suntuosos exemplares da história da joalheria. Parte das mais de 500 peças, guardadas no Catar, em exposição permanente, é fruto de muita dedicação — e dinheiro, é claro. Ele teve o estalo inaugural de sua frenética busca depois de um momento epifânico no Victoria & Albert Museum, em Londres, em 1982, onde trabalhava como negociante de antiguidades. A partir daquele momento não parou mais, ao reunir unidades que nascem na Antiguidade e chegam até meados do século XX, de diferentes culturas e civilizações. É uma aula de história tingida de elegância.
As tiaras, com o perdão da metáfora, são a joia da coroa. Arikawa é o proprietário de uma das quatro unidades à base de diamantes Fabergé existentes no mundo — seu valor corresponde a praticamente metade de todo o arsenal de brilhantes na posse do amealhador. O japonês também é fã de camafeus, que considera esculturas em miniatura. “O item mais valioso na coleção Médici do século XV não era uma pintura ou estátua, mas um camafeu”, diz o colecionador, que tem cerca de cinquenta, a maioria dos séculos XVIII e XIX.
Como budista praticante — ele passou dois anos de sua vida como monge em um templo zen —, o empresário sempre apreciou a forma como as divindades são adornadas com brilhantes, algo que alimentou ainda mais sua paixão por pedras preciosas. Foi com essa ideia em mente que ele conquistou, no início da carreira, a confiança de mercadores de Tóquio e gerentes bancários. O sucesso o levou a Londres — o centro do mundo das joias antigas nos anos 1980 —, onde conheceu a historiadora Diana Scarisbrick, que o apresentou a outros negociantes do métier.
Animado, ao transformar o que seria um hobby em arte, celebrado por instituições de todo o mundo, Arikawa continuou comprando, vendendo e emprestando para exposições. Ainda hoje, recebe os maiores curadores de museus do planeta, com cerimônias de chá ao som de cantos gregorianos. Uma joia o toca, ele diz, de forma instintiva. “Não preciso de conhecimento. Ou ela faz meu coração tremer ou não faz”, sentenciou o japonês, que inaugurou há pouco um showroom em Paris.
Incansável, Arikawa acredita que os berloques chegam até ele quase por “mágica”, em atração imparável. Em sua coleção, além das prediletas tiaras, disputam atenção brincos de ouro helenísticos, pingentes renascentistas, o colar com 26 esmeraldas da imperatriz russa Catarina II, a Grande (1729-1796), os brincos de diamantes da rainha Vitória (1819-1901), traquitanas art nouveau, brilhantes belle époque da Cartier e um broche de bailarina Van Cleef & Arpels da década de 1950, peças que ele define como a “cristalização do espírito humano”. Por trás dessa vida dedicada a uma obsessão, e dá-lhe obsessão, não é o status proporcionado pelas riquezas que o instiga e o comove. “Tudo está na capacidade de criar emoção”, diz. Ou, para aproveitar uma irônica frase da belíssima atriz americana de origem húngara Zsa Zsa Gabor (1917-2016), que destroçava corações em série: “Nunca detestei um homem a ponto de devolver-lhe seus diamantes”. Pois é.
Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911