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Walcyr Carrasco

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O último confinado

Como não ceder aos apelos para ignorar o coronavírus — e cair na farra

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h34 - Publicado em 19 fev 2021, 06h00
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  • Veio o Carnaval, eu no Rio de Janeiro. Uma revoada de amigos começou a ligar: “Vamos nos ver?”. Tinham vindo para fazer farra. Respondia: estou confinado. Ouvia um “oh!” de decepção. “Só um papo, um café… eu estou bem…” Como se o fato de ser amigo anulasse os riscos. E me tratavam como chato. Já perdi muitos amigos desde que a pandemia começou. Simplesmente não entendem que confinado quer dizer confinado. Estive em Portugal, em dezembro. Lá, é completamente diferente. Desci no aeroporto, todos de máscara. Logo vieram verificar meu visto e o exame de Covid. Só entrei no país porque tenho residência. Ruas vazias. Comida, só por aplicativo de entrega. Ao voltar, a diferença gritou já no aeroporto. Raríssimos com máscara. Fui para casa e me tranquei. Eu tinha um grupo de amigos no condomínio e todas as quartas tomávamos vinho no quiosque. Descobri que o vinho estava suspenso: casos haviam surgido no condomínio. E beber vinho de máscara é tecnicamente impossível.

    Continuei confinado. No Instagram, contemplava amigos em jantares incríveis, erguendo taças de vinho. Sou próximo de um casal que fez teste de Covid para me encontrar. Eu me senti exagerado… A maior parte das pessoas que conheço flutua na inconsciência. Veio o Carnaval. Pensei: vou ressignificar. Ser calmo. A vantagem de ser escritor é que trabalho não falta, dentro de casa. Se falta, a gente inventa um conto, um romance… Agora estou afundado até as orelhas em Verdades Secretas 2, para a Globo. Logo que começou o distanciamento social, eu e meus amigos autores de televisão achamos normal. Estamos todos acostumados a passar meses trancafiados durante uma série, uma novela… Demorei para perceber que para boa parte das pessoas o confinamento não é bem assim. Só tomei consciência quando vi as fotos de um amigo numa festa clandestina (que ele postou). “Eu estava precisando” — explicou-se. Bem, mas quem não está?

    “As pessoas rindo, se divertindo… eu continuo sendo o chato. Que venham outros Carnavais, continuo lendo”

    A ideia de ressignificar o Carnaval era boa. Fazer artesanato… o crochê está voltando à moda. Cozinhar, sempre dá certo. Dedicar-se, ó esperança, a um relacionamento mais profundo. O confinamento não seria ideal para casar? Mas não, a farra continua. Reconheço, muita gente não pode ficar reclusa. Tem de trabalhar, comer. E, se já não está reclusa o ano inteiro, pra que se trancar no Carnaval que passou?

    Dá vontade de dizer que brasileiro não gosta de seguir regras. Adora quebrar. Não somos só nós. Quem realmente queria pular o Carnaval e tinha dinheiro foi para Cancún. Lá teve balada, festa de todo tipo, gente fervendo na praia. A Riviera Maya transformou-se no novo Rio de Janeiro. (Não é por acaso que a Covid está explodindo no México.)

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    As pessoas rindo, se divertindo… eu continuo sendo o chato. Que fazer? Sou um chato calmo, meditativo. Estou lendo um livro de 500 páginas, vendo filmes… Mesmo que venha a vacina, a vida nunca será a mesma. Peguei o hábito de ficar em casa. Quieto. Que venham outros Carnavais, continuo lendo!

    Esta é minha vocação. Serei o último confinado.

    Publicado em VEJA de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726

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