Assoprei as velinhas no dia 1º de dezembro do ano passado e até hoje não consegui responder às felicitações. Em tempos de redes sociais, todo mundo, absolutamente todo mundo, fica sabendo a data do meu aniversário, do seu e a daquele amiguinho da 4ª série que você nunca mais viu desde então. Todos, num clique, enviam mensagens otimistas. Acho incrível essa onda de positividade, mas o problema é que nunca termina. Já sabemos que uma década atrás precisávamos lutar para ficar on-line, com as conexões sempre instáveis. Hoje a batalha é para ficar off-line. Naquela época, uma comemoração de aniversário se dava numa festa com início, meio e fim. Até com os inimigos do fim, a gente dava um jeito de fazê-los caçar seu rumo, nem que fosse conduzindo a manada para um barzinho e fugindo depois. Hoje, para alguém “conectado” como eu, que tem todas as redes sociais na palma da mão, o parabéns vem às centenas. Pense: na minha idade não surgem só os amigos mais fiéis, mas também primos de oitavo grau, coleguinhas da creche, vizinhos da minha avó, no interior de São Paulo… Todos me conheceram em algum momento, claro. As relações foram fenecendo, tornaram-se lembranças… que ressurgem. No meu aniversário, é como se eu encontrasse antigos conhecidos numa gaveta, atrás do computador, no meio dos livros, enfim, é uma multidão que ressurge para dar os parabéns. Não que eu não goste. Até me sinto na obrigação de responder a um por um. A pessoa gastou alguns cliques da vida dela emanando coisas boas para mim. Passo os dias posteriores agradecendo. Mas, ao agradecer, elas iniciam uma conversa. Respondem: “E sua avó, como vai?”; “Morreu há dez anos”; “Que pena. A minha continua viva, mas tão doentinha…”; “E como vai fulano?”; “Não falo mais com ele há vinte anos, me deu um golpe…”. E quando dou por mim estou há horas falando de gente que não conheço mais com alguém de quem mal me lembro. Falta tempo para curtir o aqui e agora se preciso responder a todas as mensagens de “bom dia” e de “feliz aniversário”, que nossas tias costumam dar. Piorou: muitas mensagens são criadas pela IA, e uma simples tia pode disparar milhares de parabéns ao acordar. Mas, se não respondo, lá vem: “Que houve, não recebeu minha mensagem? A gente sempre lembra de você, não lembra mais da gente?”. Meus afazeres da semana viram uma confusão: não consigo confirmar a terapia, marcar o horário da fisio… Pior, não ganho presentes na quantidade de parabéns. Algumas pessoas têm coragem de dizer: “Você tem tanta coisa que eu não sabia o que dar”. E aí não dão nada, que horror. Fico pensando nos bons tempos em que uma lembrancinha era obrigatória. O 1º de dezembro deste ano é logo ali, mas ainda não terminei de responder a todos os cumprimentos de 2023, alguns do ano retrasado, outros do ano anterior.
“Já pensou se cada parabéns se transformasse num Pix? Todo ano eu fugiria para as Ilhas Maldivas”
Tudo seria mais fácil se eliminassem de vez o hábito de dar parabéns por mensagem (porque pessoalmente é gostoso de receber). E trocassem por algo mais prático. Um Pix, por exemplo. Já pensou se cada parabéns se transformasse num simpático Pix? Todo aniversário eu fugiria para as Ilhas Maldivas.
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906