Felicidade é uma crença
Alcançar sucesso na vida é algo relativo — e que pode virar tormento
Cresci ouvindo as pessoas falarem de seus projetos de felicidade. Ter um emprego público, para não passar pela angústia de uma demissão, casar com o amor de sua vida, ter uma profissão criativa e se tornar famoso, simplesmente ganhar na Mega-Sena e ser rico e feliz. (Boa parte desses planos está, sim, associada ao dinheiro.) Mas, depois de adulto, vi as pessoas detonarem seus próprios planos de felicidade. O emprego seguro vira uma chatice, a mulher desejada, uma piranha, o dinheiro, um transtorno, porque todo mundo acaba pedindo empréstimos que, na prática, se transformam em doações. Os planos de felicidade, por mais bem projetados, volta e meia viram fonte de tormentos.
Cheguei à conclusão de que felicidade de fato é uma crença. Há quem consiga tudo que sempre desejou, tudo que ambiciona, e continue reclamando da vida. Há quem tenha muito menos e viva com um sorriso no rosto. Seu sonho era viajar? Um reclama do café da manhã, nos vários hotéis cinco estrelas onde desfruta a vida. Outro comemora quando consegue a vaga de comissário de bordo. Tudo é ruim e tudo é bom, depende do prisma pelo qual se olha a vida.
“Há quem consiga tudo o que deseja e ainda reclame da vida. Há quem tenha menos e viva com um sorriso no rosto”
Eu pensei muito em tudo isso hoje, quando encontrei um amigo exalando satisfação com a vida. Há um ano, esse mesmo rapaz estava em choque após terminar uma relação homoafetiva com outro rapaz, que durou cinco anos. O romance se deteriorou quando decidiram abrir espaço para outras pessoas. O cônjuge apareceu com um terceiro, e, para surpresa de meu amigo, queria uma relação estável. Feliz e de bem com a vida, ele aceitou. Mas o casamento desarranjou. Passou a achar que o outro era mais amado e que, na verdade, o terceiro na relação era ele mesmo. As brigas tornaram-se constantes. Finalmente, os outros dois tentaram jogá-lo do sétimo andar do conjunto de flats onde vivia. Salvou-se pelos próprios gritos, ouvidos pelos funcionários do prédio. Vivo, separou-se, decidido a não acreditar jamais no amor.
Hoje, todo feliz, me contou que vai se casar. Com outro, ainda bem. Em seis meses conheceu o novo companheiro, vendeu seu flat e botou o dinheiro na mão do novo amor, que prometeu comprar um apartamento no nome de ambos. Como já está morando junto, resolveu casar-se até com cerimônia religiosa (que religião, não sei). Com os olhos inocentes, confiante na vida, diz que nunca achou amor maior. Só pensei: “Tomara que sobreviva”. Uma moça, pobre, conheceu um rapaz, engravidou. Ele sumiu. Descobriu-se que era casado e tinha filhos. Furiosa, ela foi procurá-lo. Engravidou de novo. Agora, ela acredita que ele vai “tomar jeito”. Mas que jeito, meu Deus, se continua casado e nem ajuda com pensão para o primeiro? Um amigo quase pirou ao emprestar o nome para um parente, bloqueado no banco, adquirir um carro. Na terceira prestação, parou de pagar. Meu amigo tenta conversar, chegar a uma conclusão, mas o outro foge. Fiz a pergunta simples: “Mas por que ele ia proteger seu nome se já perdeu o próprio?”. Como resposta, ele abriu a boca surpreso: “Como não pensei nisso antes?”.
Essas pessoas, assim como outras, acreditam tão firmemente na felicidade e nas novas oportunidades da vida que nem sei o que dizer. São bobas? Pode ser. Mas levam a vida de um modo muito mais agradável do que os desconfiados como eu.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880