Visitas são ótimas. Até certo ponto. Chega um momento em que tudo que se deseja é ficar livre delas. Uma vez recebi um casal que chegou no início da noite e só saiu depois do amanhecer. Devoraram toda a comida, tomaram cafezinhos, falaram, riram. Eu fazia cara de cansado, bocejava, mas nada! A libertação só chegou quando ofereci café da manhã. Partiram. Nunca mais nos vimos. Há um número incrível de pessoas que entram em casa, sentam e passam horas falando de si mesmas, como se estivessem sendo entrevistadas. Quem toca violão e canta é um horror. Começa dedilhando umas notas. Se ninguém se revolta, dispara a cantar. E acabou o bate-papo, todo mundo vira audiência. Há quem recite poesia. Atores interpretam textos que pretendem encenar, e nesse caso o jeito é fingir que gostei. Médicos dão palestras sobre saúde, políticos falam do futuro do país. Também existem amigos que avançam na geladeira e vão tomando cervejas. Sempre é a “saideira”, mas nunca saem. Como bebo pouco, o jeito é ficar ouvindo.
“O pior é que não quero ofender ninguém pedindo que vá embora. Mas às vezes é difícil”
Com visita sem noção não adianta fazer caras e bocas. Um truque é dizer que tenho compromisso. Saio junto, dou a volta no quarteirão e volto livre para casa. Pior. Tem quem se instale. Uma vez dois espanhóis pediram para passar uma hora, de manhãzinha, no apartamento onde eu estava, no Rio. Só isso. Tomariam um banho e iriam pegar um barco por três dias. Acordei com dois hóspedes instalados. O barco não saíra devido à chuva. Não pretendiam mais partir. Tive de mentir, dizer que estava esperando outros hóspedes. Eu me safei, mas outras pessoas tiveram experiência pior. Dois amigos toparam receber um terceiro no apartamento alugado pelo Airbnb em Lisboa. O outro só precisava deixar a mochila e passar umas horas, até seu voo sair. Os dois foram para uma festa. Ao voltarem, o hóspede tinha tomado uma garrafa e meia de vinho do Porto. Quase em coma alcoólico, vomitou no sofá do apartamento alugado, depois foi expulso do táxi. Tiveram de tomar conta até enfiar o hóspede no segundo avião, pois perdera o primeiro voo. Tenho amigos que toparam acolher alguém por três ou quatro dias, e só se livraram meses depois. Incluindo brigas e mal-estar no pacote. Hóspedes com frequência se tornam moradores.
O pior é que não quero ofender ninguém pedindo que vá embora. Mas às vezes isso é difícil.
Para se livrar, há quem recorra a tudo. Desde a tradicional vassoura atrás da porta, para espantar visitas, até simpatias elaboradas. Em uma delas, escreve-se o nome do indesejado em um papel. Embrulha-se um ovo nele. Depois, é atirar com força no vaso sanitário — força e raiva, para o ovo se quebrar. Dá-se a descarga com o pedido “Que a água te leve para longe da minha casa, fulano”. Se a simpatia funciona, não sei. Mas, ao ouvir os gritos no banheiro, a visita certamente partirá.
Para evitar tudo isso, marque os encontros em um bar, café ou restaurante. Quando a conversa ficar chata, não serão necessários bocejos, indiretas ou simpatias. Simplesmente, fuja.
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2021, edição nº 2768