Um amigo vendeu o carro e não pretende comprar outro. Com o metrô, trens, táxi e Uber, a locomoção fica mais fácil e barata. Não é preciso investir um bom dinheiro em um veículo, pagar impostos etc. etc. Eu mesmo já penso em vender o meu. Para que possuir tantas coisas, que dão mais trabalho que alegrias? Há anos vendi minha casa de praia, no Litoral Norte de São Paulo. Foi um alívio. Seja praia, seja campo, seja o paraíso na terra, a gente acaba indo muito pouco. Quando vai, são só problemas: quebrou isso, falta aquilo. Eu já vi pais tentando convencer os filhos adolescentes a passar o feriadão com a família, na praia. Eles, é claro, preferiam acampar com os amigos. Mais fácil alugar em feriados e temporadas. Quem aluga não precisa consertar a eletricidade, chorar porque as lâmpadas estão queimadas ou o encanamento entupiu por falta de uso. Mas nem gosto de ir nos grandes feriados. Para que pegar congestionamentos por horas, chegar exausto, voltar à estrada depois de uns dias e passar por tudo de novo? Um amigo fugiu de morcegos na própria fazenda, onde foi para relaxar. Fica difícil relaxar com morcegos! Sem falar nas teias de aranha que brotam em qualquer casa de férias, depois de alguns dias fechada.
Abro o armário e vejo uma camiseta preta. Em seguida, uma fileira de… camisetas pretas. E mais umas calças pretas. Minha roupa virou praticamente um uniforme. Prefiro. Fica mais fácil me vestir. Pelo menos é o que dizia Steve Jobs, que se vestia sempre de maneira igual, para não ter que se preocupar com isso.
“Para que um celular novo se o meu é praticamente igual? Não é preciso ter mais para viver melhor”
Há o home office, reuniões on-line. Para encontros pessoais de trabalho, nem mesmo é preciso ter um escritório. Em espaços de coworking, é possível marcar reuniões, por hora de uso. Livros eu sempre doo, assim que leio. Outro dia, em uma butique, o vendedor me confessou: “Quem vem aqui não precisa de roupa, já tem muita. Só compra por prazer”.
Reconheço que há um prazer em consumir, em botar uma jaqueta nova e sentir-se com o corpo do modelo que está na foto da grife. Mas levar a vida assim é desejar muito pouco. Percebo que há uma consciência nova desabrochando. Para que um celular de última geração se o meu é praticamente igual ao do lançamento? Sempre algo novo será inventado, e a propaganda me dirá que é essencial. Mas o bom da história é a percepção de que não é preciso ter mais para viver melhor.
O mundo tecnológico pode nos engolir como uma anaconda. Ou facilitar. Tudo que antes era difícil ficou fácil de achar. Não há, portanto, mais aquela urgência em possuir. Não é preciso viver com menos, nem jejuar numa caverna. Há um novo estilo de vida surgindo, onde é possível ter bastante sem comprar nada. Olho em torno e vejo que muitas coisas e objetivos pelos quais lutei eram ambições ensinadas na infância. Sucesso era ter, comprar, consumir.
Agora eu entendo que sucesso é ter uma vida leve. Ninguém precisa ser um caramujo e andar com uma casa nas costas. Viver com simplicidade é a melhor maneira de ser feliz.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852