7 mil estudantes ameaçados por Trump: o que essa crise revela sobre nós?
Colunista e professora de Harvard examina decisão do governo americano de vetar matrícula de alunos estrangeiros na prestigiada universidade americana

Você já sentiu que o chão sob seus pés desapareceu de repente? Como se algo fora do seu controle pudesse mudar tudo e você só pudesse assistir, sem escolha?
Essa é a sensação vivida por milhares de estudantes internacionais da Universidade Harvard, quando, na última semana, o governo dos Estados Unidos anunciou que a instituição estava proibida de matricular novos alunos estrangeiros.
A ordem veio do Departamento de Segurança Interna, sob comando do presidente Donald Trump, e poderia forçar mais de 7 mil alunos a deixar o país — mesmo com visto válido, formatura marcada ou matrícula já confirmada.
A medida foi temporariamente bloqueada por uma juíza federal, mas o dano emocional já estava feito. O que fazer quando algo tão concreto nos pega de surpresa?
Como lidar com o medo real, aquele que não é só uma projeção da mente, mas uma ameaça direta ao nosso futuro?
Ao ler essa notícia, voltei para 1997. Quando pisei nos Estados Unidos pela primeira vez com um visto F1, tinha um inglês limitado e uma mala cheia de sonhos. Se, naquela época, eu tivesse recebido uma ordem como essa, teria entrado em pânico.
Teria chorado. Me sentiria desamparada, com medo de ser obrigada a voltar para uma vida da qual eu vinha tentando desesperadamente sair.
Essa dor e essa ameaça são reais. E é justamente por isso que precisamos falar sobre ela.
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O cérebro não quer justiça, quer sobreviver
Conversamos muito aqui na coluna sobre ameaças percebidas: um e-mail sem resposta, uma conversa difícil, um olhar torto. Mas, hoje, não estamos falando disso. Estamos falando de um perigo real, com impacto direto e imediato.
Nessas situações, o cérebro reage com o mesmo alarme de sempre.
Uma região chamada amígdala assume o comando e o corpo entra em alerta: o coração dispara, a respiração muda e o pensamento acelera. Biologicamente, estamos programados para responder com três reações: lutar, fugir ou congelar.
Mesmo que a ameaça seja política, acadêmica ou social, o corpo reage como se fosse um predador e e tudo o que o cérebro quer é controle, certeza e normalidade.
O problema é que, em situações assim, precisamos aceitar que a única certeza é não ter certeza.
Foi assim na pandemia, é assim agora para os milhares de estudantes afetados e será assim toda vez que o mundo nos tirar o que julgávamos seguro.
Três âncoras para enfrentar o caos
O que fazer quando não temos controle? A resposta parece simples, mas exige coragem: focar no que ainda está ao nosso alcance.
Isso vale não só para os alunos de Harvard. Vale para todos nós que vivemos em tempos instáveis, em países instáveis, com futuros instáveis. Situações assim disparam o medo — e o nosso cérebro implora por um mínimo de certeza.
Durante a pandemia, muita gente me perguntou o que fazer com tanto medo. E eu dizia: “Tá tudo bem em não estar bem. Mas é preciso dar ao cérebro um mínimo de certeza.”
Se você está atravessando um momento difícil — por questões políticas, emocionais ou pessoais — experimente começar por aqui:
Primeiro, foque no que você pode organizar hoje.
Talvez seja uma conversa que está adiando. Um boleto que consegue pagar. Uma tarefa pequena que devolve o senso de presença. Pergunte-se:
“O que ainda depende de mim, mesmo que o resto esteja fora do meu controle?”
Segundo, dê ao seu cérebro pequenas certezas. Rotina, alimentação, pausas, respiração. São detalhes que parecem banais, mas funcionam como âncoras internas e devolvem ao corpo a sensação de que ele ainda tem onde pisar.
Terceiro, aceite a realidade como ela é. Aceitar não é se conformar. É parar de gastar energia lutando contra o que já aconteceu. Quando reconhecemos a dor, abrimos espaço para buscar ajuda e força.
Você não precisa ter todas as respostas hoje. Só precisa se manter presente. Porque é na presença que nasce a ação. E, com ela, a coragem.
Está tudo bem não estar bem
Hoje, como professora, oriento estudantes que estão em pânico. Como imigrante, me reconheço no medo deles. Mas como psicóloga, ensino o que a ciência comprova todos os dias: é possível atravessar o medo sem se perder.
Não importa se o seu problema hoje é a política, o trabalho, a saúde ou uma decisão que alguém tomou por você. O seu cérebro está buscando segurança. E você pode oferecer a ele, aos poucos, o que o mundo talvez não esteja oferecendo.
Mesmo quando tudo parece fora de controle, ainda existe um lugar dentro de você que pode ser âncora. Comece por ele.
A coragem, às vezes, não está em gritar. Está em continuar, mesmo tremendo.