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Vida de Imigrante

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Alegrias e agruras da maior diáspora brasileira da história, a partir do olhar de um entre os 5 milhões que formam o fenômeno.
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O solitário torcedor forasteiro

Deste lado do Atlântico, sensação é de viver em um universo paralelo, onde as prioridades esportivas não têm a ver com as dos que estão ao redor

Por Edison Veiga Atualizado em 8 ago 2024, 08h24 - Publicado em 8 ago 2024, 07h00
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    Viver um grande evento esportivo do outro lado do Atlântico é como ser solitário torcedor de um time no ambiente escolar // (Ivan Pacheco/VEJA)

    Apenas eu e o Ederson éramos palmeirenses na minha turma da escola primária. Torcer, naqueles tempos em que pastavam no Parque Antarctica vacas magérrimas e esquálidas, era um sofrimento experimentado em estado de semissolidão constante e perpetuado por piadinhas cruéis dos que compunham maioria — os corintianos e os são-paulinos.

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    Lembrei-me disso dias atrás, quando grupos de WhatsApp e as redes sociais que costumamos frequentar no ócio destrutivo só falavam em Rebeca Andrade, é ouro, viva o Brasil, música da Anitta, ziriguidum, hino retumbante, merecidas reverências e referências.

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    Viver um grande evento esportivo do outro lado do Atlântico é como ser solitário torcedor de um time no ambiente escolar. Faltam consonâncias e tangências. Sobram restos incomuns. Não se salva nem o georreferenciamento: se eu digito no Google “quadro de medalhas”, é a Eslovênia que aparece em destaque, e não o Brasil-sil-sil-sil. (A quem interessar possa: enquanto escrevo estas, minha pátria eslava ocupa a 42ª colocação, com uma única medalha de ouro — aliás, parabéns, judoca Andreja Leški!)

    Se eu saio às ruas, ninguém está comentando sobre as chances brasileiras no vôlei de praia ou se vai dar para beliscar mais uma medalhinha na marcha atlética. Ainda bem que trabalho em casa. Se eu me ativer aos posts e mensagens de amigos locais nas redes, ninguém estará compartilhando memes que façam sentido para mim. Ainda bem que ando evitando um pouco essa coisa de Facebook e outros tais.

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    Também há o aspecto cultural, claro. Copa do Mundo, por exemplo. A maior parte não dá a mínima. Até quem liga, na verdade, não entende a necessidade brasileira de parar tudo em dia de jogo da seleção, armar um churrasco, comprar cerveja extra, reunir os amigos, cornetar, reclamar e amar o Galvão, sofrer e até gargalhar do 7 a 1. Ano retrasado, na última Copa, eu tentei: reuni em minha casa amigos eslovenos para ver algum dos fracassos do escrete nacional e ainda tive o cuidado de sintonizar um streaming mambembe com narração brasileira.

    Locutor aqui simplesmente narra. Não torce, nem distorce

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    No fundo, acho que ninguém entendeu nada — nem sequer o cachorro-quente que servi, com direito a ervilhas, batata-palha, molho de tomate e queijo ralado.

    Aliás, a narração é outro ponto. Locutor aqui simplesmente narra. Não torce. Também não distorce. Não vibra, não se empolga. Não dá palpite. Mantém o mesmíssimo tom do início ao fim, como se estivesse rezando uma missa em latim ou lendo uma bula de remédio para hipertensão. Empolgante assim. Por isso o torcedor não grita gol — no máximo, levanta-se e bate quase silenciosas palmas.

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    Na seara futebolística, até mesmo campeonatos envolvendo o querido Palmeiras são complicados. Outro dia meu médico me fez a pergunta que todos insistem diante de minha cidadania brasileira: “você é bom em futebol?”; e eu respondi, como sói acontecer: “que nada, uso óculos, sou bom apenas em assistir, de preferência com um copo gelado nas mãos”.

    A verdade é que ultimamente não sou bom nem mais em assistir.

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    Não é apenas um oceano que me distancia dos jogos de quarta à noite ou das tardes de domingo. É a dificuldade de sintonizar em tempo real, é a diferença perturbadora de fuso horário. E é, principalmente, a sensação de que estou novamente na segunda série, tendo apenas o Ederson como interlocutor de meu alviverdismo.

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    Mesmo títulos ficam um tanto sem-graça. Em 2018, vivia minha primeira temporada no exterior e vi o Palmeiras campeão brasileiro pelo laptop. Naquele ano, nem TV tínhamos em casa. Estranha sensação: não pude ir para a rua comemorar e nem houve aquela segunda-feira seguinte em que o tema teria sido preponderante nos cafés do trabalho. (Para piorar, um então presidente recém-eleito participou da entrega da taça, a verdadeira água quente no chope a estragar a glória da taça.)

    Nas poucas vezes em que me animo a varar uma madrugada na frente da tela — geralmente porque meu time avançou para uma semifinal de Libertadores ou coisa assim — fico naquela ansiedade invertida, com a certeza de que não haverá nenhum barulho de rojão, nenhum grito de gol antecipado diante do delay da minha TV, nenhum vizinho corintiano xingando na janela ao lado.

    A segunda série, no caso, é todo um país. Esta Eslovênia onde ninguém parece interessado em discutir o gigantismo do Evair no Paulista de 1993, a divindade de Ademir para o esporte nacional ou o sucesso esmagador de Abel em sua colonização portuguesa do futebol brasileiro. Ninguém consegue se lembrar de nomes folclóricos como Gioino, Marco Osio, Adriano Chuva ou Rosembrick.

    O Ederson da vez é o meu filho. Chico tem 10 anos e, contrariando todas as perspectivas de um jejum transatlântico, nutre diuturnamente a paixão pelo Palmeiras.

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