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Vida de Imigrante

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Alegrias e agruras da maior diáspora brasileira da história, a partir do olhar de um entre os 5 milhões que formam o fenômeno.
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Com quantos amigos se faz um imigrante?

Estudos indicam que solidão faz tão mal para a saúde quanto fumar 15 cigarros por dia. Mas como furar a bolha e fazer novas amizades na vida estrangeira?

Por Edison Veiga 26 set 2024, 07h01
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  • No auge da pandemia de covid, eu costumava brincar que já era adepto do isolamento social e praticava intensamente o home office muito antes de essas expressões se tornarem modinha.

    Troças à parte, a questão das amizades — e, por conseguinte, da solidão — é um tema sempre presente nas conversas sobre ser estrangeiro. De um dia para o outro, afinal, as coisas importantes tiveram de caber em duas malas grandes. E pessoas queridas, principalmente se vivas, não podem ser transportadas assim.

    Se meu filho rapidamente se enturmou, o mesmo não vale para adultos. Não temos a escola como catalisador de convivências, já carregamos toda uma bagagem de arquétipos, preconceitos e conceitos, com gostos definidos e ódios muito claros, e temos mais nítida a lembrança dos amigos da fase anterior da vida.

    Que, parênteses necessários, seguem presentes nestes tempos de redes sociais, comunicação instantânea e outras facilidades. Continuo conversando com o Zebra quase diariamente — hoje mesmo ele me mandou um patético vídeo de outra agressão em debate eleitoral paulistano e trocamos recomendações de livros do Mutarelli e do Mirisola. A Gi, querida irmã que a Unesp inventou para mim, também é recorrente nos debates acerca da vã existência de todos nós, seres viventes que tendemos a querer pensar. E por aí vai.

    Mas humanos somos animais gregários, sociáveis. Queremos contato, tomar vinho, falar bobagens, criticar o Trump, avaliar a saúde do papa, comentar com sabedoria a última rodada do Brasileirão e posar de entendidos nas explicações sobre o conflito entre Israel e o Hamas. Aí fica difícil: com um oceano de distância, nem Vitor, nem Burga, nem Machado conseguem dar um pulinho aqui toda quarta-feira à noite para comermos uma pizza.

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    Adaptação cada qual tem a sua. Para isso, não existe receita de bolo tampouco bula de remédio. Quando nos mudamos para cá, ouvimos de tudo um pouco — em alguns pontos, imigrar é como ter um bebê: chovem dicas de todos os lados, principalmente as não solicitadas, as impertinentes e as irritantemente dolosas.

    Signora Marisa, a simpática velhinha que cruzava meu caminho religiosamente três vezes por semana durante a temporada em que vivi na Itália, deu-me um abraço quando contei da iminente transferência e falou que “esses eslavos são frios, você não vai fazer amizade fácil”.

    Ainda antes, no Brasil, ouvi gente dizendo que uma boa alternativa de socialização seria logo na chegada me envolver em alguma instituição comunitária, um clube, um esporte, algo assim. Logo eu, que sempre sofri de misantropia crônica e crítica, veja só.

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    Também existe a formulinha básica: os primeiros amigos são os imigrantes da mesma nacionalidade, talvez algum imigrante de outra origem também. Em seguida, vêm aqueles que são amigos locais ou casados ou de alguma forma aparentados com esses imigrantes. Só então, na terceira camada da história, há o contato autêntico com os autóctones.

    Na vida do imigrante, cada amizade é uma conquista

    No meu caso, ouso dizer que todos estavam errados. De certa forma, ter uma criança em idade escolar facilita a inserção — naturalmente, pais de amigos do filho acabam adentrando para o círculo, muitos com sorrisos, cordialidade e um bom gole de relação saudável e gostosa; alguns com suas neuras, idiossincrasias e negacionismos, como em todo grupo de WhatsApp de pais da escola.

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    Além disso, não posso reclamar de como vizinhos logo se aproximaram oferecendo ajuda para entender a burocracia necessária, traduzir algum documento importante, ensinar a cortar a grama e até dizer qual a melhor marca de cerveja.

    Em suma, os eslavos daqui do lado ensolarado dos Alpes não parecem tão frios como dona Marisa profetizou. Ou talvez porque nós, brasileiros, gozamos de uma boa fama no que tange às habilidades no churrasco… Fato é que logo me vi cercado de novos amigos. Pensei muito nisso em meu último aniversário, quando uma meia centena de convivas veio celebrar comigo o alvorecer de minha quarta década.

    Na vida de um imigrante adulto, isso é uma grande conquista. Estudos confirmam que é muito mais difícil fazer novas amizades na fase adulta. E também indicam que a solidão é mais nociva para a saúde do que fumar 15 cigarros por dia.

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    Confesso que às vezes experimento uma certa recaída na minha misantropia, ao perceber que à medida que o grupo de amigos aumenta, proporcionalmente diminui o tempo completamente livre aos fins de semana. Cheguei a falar para a Mariana que a essa altura da vida já posso decretar que não estou mais aberto a novas amizades, a não ser que vague um posto, por motivo de morte, abandono ou qualquer revelação de terraplanismo, ódio às minorias ou inclinação política diametralmente oposta.

    Para estes três últimos pontos, não preciso de amigos reais. Já são mais que bastantes os robôs das redes sociais e seus algoritmos enviesados.

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