‘Vazante’ faz recorte da aspereza do Brasil do século XIX
Na Diamantina escravocrata, um retrato de uma colônia em que ricos parecem pobres, negros são escravos e mulheres se casam com homens antes de menstruar
Uma garota se casa com um homem décadas mais velho, antes mesmo de menstruar. Na propriedade em que passa a ser chamada de “sinhá”, se afeiçoa de um escravo de idade mais próxima, e estão dadas as linhas que podem conduzir a uma tragédia. Como se Vazante, o longa de Daniela Thomas exibido no Festival de Berlim deste ano e agora em cartaz em quarenta sala do país, já não fosse ele mesmo bastante trágico. Retrato de um Brasil que sobrevive até hoje dentro do corpo desse Brasil de 500 anos, ele expõe as desiguais relações entre homens e mulheres, negros e brancos, ricos e pobres. Embora os ricos, como lembrou a cineasta Daniela Thomas citando um viajante estrangeiro que se espantou com o interior do Brasil Colônia, pareçam pobres de tão parcamente vestidos e de tão simplórias que são as suas moradias. O tropeiro português António (Adriano Carvalho), sequer usa sapatos, porque o “perturbam”. Destaque para a atuação de Jai Baptista, como a escrava Feliciana, que tem de servir sexualmente ao sinhô, António, para Vinicius Dos Anjos, como o filho de Feliciana, o também escravo Virgílio, para Sandra Corveloni, entre indignada e resignada com a sua situação de mãe que cede a filha ainda impúbere em casamento, e para Juliana Carneiro da Cunha, como a senil Dona Zizinha, avó da protagonista Beatriz, papel de Luana Nastas, que também está ótima no filme.