Na entrevista coletiva que se seguiu à exibição para a imprensa de Vazante, o longa-metragem de Daniela Thomas que faz um recorte do Brasil profundo do século XIX, com todas as suas mazelas e aridez, a atriz Sandra Corveloni revelou um detalhe saboroso de bastidor. Na pousada em que se hospedaram no interior de Minas Gerais, encontrar com a atriz Juliana Carneiro da Cunha pelos corredores poderia ser assustador. Ela não era ela mesma, Juliana, mas a sua personagem no filme, a senil
Dona Zizinha, em todos os seus trejeitos, falar cansado e caminhar debilitado. A incorporação longe das câmeras faz parte do método de trabalho do Théâtre du Soleil, grupo teatral francês fundado em 1964 e hoje quase mítico em sua aposta em um teatro “humanizado”, pré-internet e, como diz sua fundadora, Anne Mnouchkine, pré-1968. “O Théâtre du Soleil teve a sorte de nascer antes de 1968. Somos bem mais crias do espírito do pós-guerra, de uma época na qual se acreditava que a sociedade se tornaria mais culta, mais justa, mais fraterna”, diz Anne em um dos relatos reunidos pela pesquisadora Béatrice Picon-Vallin no belo livro O Théâtre du Soleil: Os Primeiros Cinquenta Anos (tradução de J. Guinsburg, 368 páginas, 130 reais), que as Edições Sesc lançam em parceria com a editora Perspectiva. O depoimento faz referência à criação coletiva do grupo, em que a igualdade de salário é um dos princípios fundadores e sobrevive até hoje. “Cada um que está em qualquer tarefa contribui para o funcionamento do Théâtre du Soleil”, diz Anne em outro momento.
“O teatro não é apenas um edifício com um caixa no qual se dá dinheiro para comprar uma visão (…) e depois a gente vai embora. É um lugar onde o mundo revive, se pensa e, portanto, de certo modo, se transforma. É onde as forças de transformação podem ser invocadas, compartilhadas e, portanto, espalhadas de maneira muito modesta, muito misteriosa, de maneira, penso eu, incontestável”
Anne Mnouchkine