O tiro saiu pela culatra. Para além de posts simpáticos em redes sociais falando ser contra o racismo, a indústria da moda passou a ser cobrada de forma efetiva: o que tem feito para combater essa questão? Quantos estilistas negros ou executivos estão à frente de marcas e empresas? Paulo Borges teve a ideia de fazer uma live sobre racismo em sua conta do Instagram no final de semana, para discutir a praga transformada em pauta global após o brutal assassinato do americano George Floyd, nos Estados Unidos. Na transmissão de Borges, que vem a ser o fundador e diretor da São Paulo Fashion Week, houve a discussão de como o racismo está entranhado na moda, assim como em todos os setores da sociedade.
A dor veio à tona. Algumas modelos relataram condições de trabalho ruins e degradantes, e deram nome aos bois. De serem humilhadas pela cor em castings e desconvidadas a desfilar porque não têm o padrão da maioria das consumidoras ricas. A SPFW já foi alvo de ações do poder público justamente pela ausência de negras nas passarelas. Em 2009, foi firmado um acordo entre o Ministério Público e a semana de moda para que ao menos 10% das modelos dos desfiles fossem negras.
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Clique e AssineApós a live, sucederam-se acaloradas discussões em grupos de WhatsApp sobre estilistas e marcas conhecidos por atitudes e comportamentos racistas. Uma conta no Instagram chamada Moda Racista passou a fazer os “exposeds”, o termo da vez, com relatos de pessoas anônimas.
O estilista Reinaldo Lourenço, um dos mais badalados do Brasil, viu suas atitudes arrogantes — que todo o mercado de moda conhece há décadas — expostos. Uma ex-funcionária disse ao Moda Racista que ele não permitia que ninguém se sentasse quando estivesse no mesmo ambiente, fora o fato de não dirigir à palavra a determinadas pessoas. Uma ex-assistente de Lourenço confirmou a VEJA que seu ex-chefe tinha uma atitude datada, de uma época em que a moda era ser metido e arrogante. Além de racismo puro e simples. “Reinaldo e Gloria humilhavam as modelos que não tivessem cara de rica, sendo imprescindível terem a pele branca. Se as meninas tivessem cabelo enrolado, ele não olhava na cara”.
Gloria, no caso, é a Gloria Coelho, estilista e ex-mulher de Lourenço. Ela foi acusada também de racismo, de criticar cotas para modelos negras em passarelas. Ela teria afirmado que “a SPFW já teria muito negro costurando, fazendo modelagem, muitos com “mãos de ouro.” Gloria Coelho diz não ser racista e que tudo foi um mal entendido.
Procurado por VEJA, Reinaldo Lourenço mandou o seguinte comunicado: “Eu errei. Tenho consciência de que me faltou empatia e compreensão em relação às modelos negras e aos outros profissionais de moda. Desculpem-me. As recentes críticas e observações de quem se sentiu constrangido em algum casting, backstage ou desfile suscitaram autorreflexão. Eu vou mudar, assim como o sistema da moda será obrigado a mudar também. Comprometo-me a promover inclusão efetiva, com mais modelos negras na passarela e nas campanhas. Quero contribuir para que as mulheres negras também sejam respeitadas como consumidoras da moda nacional. Não medirei esforços a fim de ampliar a representatividade e valorizar a diversidade racial brasileira por meio da minha marca. relação às modelos negras e aos outros profissionais de moda. Desculpem-me.”
O perfil Moda Racista também mostra um áudio do maquiador Daniel Hernandez, que falou que negra tem “cabelo ruim”. Hernandez justificou sua fala: “Sei que não é brincadeira, tomei consciência já faz um bom tempo”. Hernandez, que na semana passada aderiu à #blacktuesday, é um dos profissionais mais requisitados do Brasil, sendo um dos favoritos de Giovanna Ewbank, mãe de duas crianças negras e importante voz contra o racismo. Um então profissional terceirizado da Riachuelo, que prestou “serviços criativos” para a empresa”, também foi exposto pelo Moda Racista. VEJA entrou em contato com a empresa, que até o momento não enviou um posicionamento.