Os moradores que lotaram os noventa lugares do CineCarioca Nova Brasília, única sala de cinema em uma favela no Rio, dentro do Complexo do Alemão, tiveram uma noite animada com o lançamento de Grande Sertão: Veredas, obra clássica de Guimarães Rosa. Tudo com pipoca e debate ao final da exibição, nesta quinta-feira, 23, na presença do diretor Guel Arraes e dos dois protagonistas – Caio Blat (que interpreta Riobaldo) e Luisa Arraes (Diadorim).
A adaptação cinematográfica chegou antes aos moradores da comunidade, os primeiros a assistir ao longa, que estreia no dia 6 de junho nos cinemas do país. A coluna GENTE esteve na ocasião. Dirigido por Guel (O Auto da Compadecida), que assina o roteiro ao lado de Jorge Furtado, o filme também tem no elenco Rodrigo Lombardi (Joca Ramiro), Eduardo Sterblitch (Hermógenes), Luis Miranda (Zé Bebelo), Mariana Nunes (Otacília) e Luellem de Castro (Nhorinhá). “No livro, a história se passa com cangaceiros contra a polícia no início do século XIX. E a gente viu que esse história cabia aqui. Mas cabia trazendo um tom diferente. Noventa por cento das falas são do Guimarães. A gente fez algumas intervenções, não comprometendo muito. E aqui era a minha maior curiosidade, se as pessoas iriam achar esquisito essa linguagem”, explicou Guel à VEJA.
O cinema, que estava fechado desde 2019, foi reinaugurado recentemente com novas poltronas, telão e sistema de ar-condicionado, nada diferente de uma sala de shopping. Essa, porém, está em uma das praças da comunidade, e sua entrada divide espaço com as inúmeras motos e comércio local. “Esse é o público que a gente mais almeja que possa ver o filme e que se reconheça”, disse Caio, presente ao evento na zona norte do Rio.
O ator, como o restante do elenco, chegou ao cinema caminhando pelas ruas do Alemão, já que a van da produção não conseguiu passar pelas ruelas mais estreitas que dão acesso ao local. A região abriga um dos maiores conjuntos de favelas da Zona Norte da cidade, com 54.202 moradores. Entre os 158 bairros que o Índice de Progresso Social, desenvolvido pelo Instituto Pereira Passos (IPP), órgão da prefeitura, mediu o desenvolvimento em 2022, o Complexo ficou em 138.
“A gente passou três anos viajando no teatro com essa peça, com esse texto e depois que a gente foi fazer o filme do Guel. Então a gente tinha essa intimidade com o texto. O Guel não queria de maneira nenhuma fazer um filme realista de favela. Ele queria um filme expressionista, barroco, então a gente trouxe isso do teatro. E é por isso que as pessoas hoje aqui se emocionaram, porque viram pela primeira vez a guerra na favela retratada de forma épica, de forma poética. Tem uma camada de arte por cima da realidade”, reflete Caio.