A paraense Gaby Amarantos, confirmada como substituta de Taís Araújo no programa Saia Justa do GNT em 2018, deu uma pequena pausa nos shows para se dedicar a atividade, a de atuar. A cantora teve suas primeiras experiências cênicas em um grupo de teatro em Belém, ainda pequena, mas foi só neste ano, depois de se consolidar na música, que ela ganhou seu primeiro papel no cinema. Serial Kelly é uma comédia dirigida e co-escrita por René Guerra (Quem Tem Medo de Cris Negão?), que conta a vida de uma cantora e justiceira no Nordeste brasileiro. As gravações começaram há três semanas e a previsão de estreia é para outubro de 2018.
O gordo é um oprimido social
O longa promete trazer questões sobre machismo e preconceito em tom de comédia. “Acho que o humor é uma forma de alcançar as pessoas e fazer com que elas reflitam”, disse René, que tem em seu portfólio uma gama de curtas sobre o universo queer e travesti. “Nós queríamos trabalhar um pouco a representação do feminino, porque acredito que tanto a homofobia quanto a transfobia passam também pela violência contra a mulher”, explica o diretor, que escreveu a trama ao lado do roteirista Marcelo Caetano (Corpo Elétrico).
Confira a entrevista que Gaby deu a VEJA sobre a nova investida na carreira, a música e a rotina em casa depois do começo das gravações, que levaram a cantora a engordar para viver sua personagem e aumentaram sua “energia sexual”:
O que você pode falar sobre a sua personagem, Kelly? Kelly é uma mulher extraordinária. Para mim, ela não é serial killer, mas uma justiceira do sertão que propõe um questionamento muito forte. O machismo oprime e mata, e eu justifico todos os erros dela com os traumas que sofreu. É uma mulher que foi abusada pelo pai, que matou o pai, que assassinou tantas pessoas, e eu tentei entender onde é que estavam esses lugares dentro de mim. Eu me compadeço por ela. Além disso, Kelly é cantora e acumuladora, que só não é clepto porque clepto é coisa de gente rica. Ela é ladra mesmo. E tem uma compulsão alimentar forte. Por isso, eu engordei 10 quilos para viver a personagem.
Tem personagem que vem muito forte e que fica com você, mas depois você expurga. E eu nunca senti uma energia sexual tão forte! Acho que quando eu falei do sofrimento do meu marido é também nesse sentido. Ele está tendo que “comparecer” três ou quatro por dia
Como foi voltar a engordar depois de emagrecer no Medida Certa? Para mim, foi um processo libertador. O corpo da Kelly é político e ela me fez atentar para isso, para o quanto o meu corpo também é. E para o quanto é importante libertar outras mulheres dessa opressão pela boa forma. Tenho certeza de que, quando isso se tornar público, as pessoas vão falar ‘Caramba, que pena, ela engordou’. O gordo é um oprimido social, e embora a Kelly também sofra um pouco essa opressão, ela lida com isso de forma libertadora. Ela é sensual, desejada, tem um sex appeal enorme, está de bem com a celulite dela, com o corpo dela, e me ensinou muito porque, para mim, essa questão da mídia traz sofrimento. Vou levar esse exemplo da Kelly para a minha vida. Ser mais de boa. Vou manter uma vida saudável, pretendo voltar para a minha dieta que é vegana, continuar me cuidando, malhando, mas de uma forma mais tranquila, sem aquela pressão de ter de vestir 38. Kelly me fez relaxar e me aceitar mais. E essa mulher vai libertar e causar nesse Brasil porque estamos precisando. Estamos vivendo uma onda com cada vez mais gente encaretando, o filme veio num momento certo.
Como surgiu o convite para o filme? Antes de ser cantora, eu fazia parte de um grupo de teatro em Belém, e a minha primeira aspiração artística foi ser atriz. A música veio rápido e forte quando eu tinha 15 anos, e foi dando certo, mas eu sempre quis atuar. Como as atrizes americanas, que cantam e atuam. O principal motivo de aceitar fazer a Kelly é que a Kelly é uma cantora. Ela canta um arrocha eletrônico, como define.
O fato de o filme estar ligado à música facilitou? Muito. O René me deu muita liberdade de cuidar da trilha. A direção musical é minha e de Rodrigo Bicarello, que é maestro da minha banda em São Paulo. A escolha do repertório é minha e do Gareth (marido e produtor). E o filme é como um musical, tem versões de várias musicas que as pessoas conhecem, mas na linguagem e precariedade da Kelly. Mas o figurino também me pegou. Ela é uma loucura, não tem nenhuma informação de moda. Eu me vejo muito como a Kelly há 15 anos, quando customizava e usava aquilo que me dava vontade. É lindo de ver a mistureba maluca que ela faz.
Como você, além do peso, se preparou para o papel? Foram seis semanas de preparação com o elenco, mas eu estou imersa nesse universo há um ano, desde que o René me fez o convite, pensando principalmente na parte musical. O sotaque foi uma coisa orgânica, comecei a estudar muito para poder fazer o mais natural possível porque o sotaque alagoano é muito diferente do baiano, do pernambucano, é um sotaque muito deles com gírias próprias.
Você consegue fazer shows durante as gravações? Dei uma pausa para gravar, depois tiro 15 dias de férias em Guiné Bissau porque sempre tive o sonho de conhecer a África, e no dia 11 de novembro volto à agenda de gravação do meu segundo disco.
Acha que seu estilo musical vem perdendo algum espaço para o pop e o funk? Acho que tem espaço para todo mundo. Eu vejo nas festas que sempre tem a hora em que toca o funk, o pop, e aí vem o forró, e depois a sofrência…
Você tem um cineasta em casa, certo? O que o seu marido, Gareth Jones, está achando da sua entrada no cinema? Eu acho que ele está orgulhoso. Mas posso dizer que ele sofreu bastante comigo porque é um processo… eu tinha que passar por algumas coisas sozinhas. Às vezes, chegava em casa chorando, querendo bater, uma confusão de sentimentos. É como se eu tivesse incorporado. Como se ela tomasse conta do meu corpo. É muito louco isso. Até a minha fisionomia. Às vezes, eu me olhava e pensava, “Esse rosto não é meu”. Tinha dias em que ela vinha para casa. A gente estava no set, o diretor falava ‘corta!’, mas ela não queria ir embora. Eu tenho conversado muito com amigas atrizes e elas sempre me falam que é assim mesmo. Tem personagem que vem muito forte e que fica com você, mas depois você expurga. E eu nunca senti uma energia sexual tão forte! Acho que quando eu falei do sofrimento do meu marido é também nesse sentido. Ele está tendo que “comparecer” três ou quatro por dia (risos). Eu estou com uma energia sexual muito louca. Nem quando eu era adolescente, na puberdade, eu senti isso.
Vai ter alguma cena quente no filme? Nossa, tem várias. Kelly, meu amor, ela mata, canta e f***. E come. É o que ela faz. Ela é muito sexual.
Se surgirem outros convites, você vai continuar atuando? Ah, com certeza. Eu vou fazer isso pelo resto da vida. E eu tenho certeza de que as pessoas vão entender que eu sou cantora e sou atriz.