Xande de Pilares, 53 anos, fez Caetano Veloso chorar. E chorar pra valer. Ao sair da gravação de seu álbum Muito Romântico, na outra sala do estúdio estava o baiano ouvindo suas doze canções em ritmo de pagode, que voltou com força total pelo país. A produção já é recebida pela crítica especializada como um dos maiores feitos musicais de 2023. A coluna VEJA Gente bateu um papo com Xande para falar dessas referências e da emoção de ter tocado o coração de seu ídolo.
Você já sofreu preconceito por tocar pagode? Já, muito. Quando fui estudar música, o cara perguntou o instrumento que eu tocava, falei ‘cavaquinho’ e ele: ‘Aqui não, aqui a gente não dá aula de cavaquinho’. Por que bandolim pode e cavaquinho não? Preconceito.
O que o pagode tem que os outros ritmos não têm? O pagode canta qualquer ritmo, porque ‘ele’ gosta da música. O pessoal do pagode canta sertanejo, forró, funk. O pagode tem isso, escuta todo mundo, presta atenção no que todo mundo faz e prestigia. Já na hora de retribuir, rola um preconceito.
Sobre cantar Caetano Veloso, como está sendo o processo de escuta das pessoas? Caetano é uma emoção diferente que estou vivendo. Esse trabalho foi gravado na pandemia, era para comemorar os 80 anos do Caetano e estava acontecendo muita coisa, confusão política… Aí lançamos no momento. E eu não me escuto, gravo meu disco, escuto lá na hora para ver se tem que consertar alguma coisa, e não me escuto mais. Com esse do Caetano, estou escutando todo dia, toda hora, é uma coisa que vivi na infância. Escutei Roberto, Caetano, Gil e Chico. E o Caetano era um ídolo inalcançável. Achava que nunca iria conhecer o Caetano.
E como se aproximaram? Pretinho da Serrinha me leva para casa da Paula (Lavigne), a gente tinha umas cantorias lá e no final de cada cantoria tinha sempre um bate-papo, o Caetano estava sempre envolvido ali. E aí cantei uma música que Bethânia gravou dele, chamada Ela e Eu, com um cavaco na mão. Ele veio e parou do meu lado: ‘Interessante isso, nunca vi essa música tocada no samba’. Falei: ‘Não, Caetano, é porque lá em casa só tinha revista de violão. Tinha que decorar a cifra para transportar para o cavaquinho. E aí aprendi a transformar tudo de MPB em samba’.
Esse disco quebra o preconceito de que pagodeiro não pode tocar nomes da MPB? Quebra totalmente, porque é não é uma determinada música que um pagodeiro gravou, é um disco cheio! Chamou a atenção pelo cuidado com que foi feito, ninguém estava pensando em fazer sucesso, e sim orgulhar o Caetano, uma forma de presentear e ser presenteado. E as atenções estão todas voltadas para esse disco. E vou te dizer um negócio: é o disco que destaco como troféu, por todo trabalho que tenho desde os 12 anos até hoje, nos meus quase 54.
E aquelas lágrimas no estúdio? Como você as recebeu? Eu saio de lá e já estava chorando, cantando, enxugo as lágrimas. Quando eu entro, dou de cara com o Caetano meio assim. Pergunto se ele estava chorando e o Pretinho: ‘Ai…’. E ele vai aos prantos. Então aquilo ali me emocionou, porque é o ídolo emocionado com a sua interpretação. Não tem nada melhor que viajar na poesia de Caetano. Quando eu cantava Trilhos Urbanos, parecia que eu estava em Santo Amaro. Me sinto privilegiado de virar para o meu povo do samba e dizer: ‘Ó, vem que todo mundo pode’. Vamos prestigiar essa galera, porque eles trabalharam para caramba para que a gente tenha o privilégio de subir no palco hoje. Eles foram presos, exilados, passaram pela porra toda. A música brasileira não tem que ter preconceito, tem que ter coragem, carinho e respeito’.