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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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Um passo para frente, dois passos para trás

Idas-e-vindas das declarações de Lula sobre a Ucrânia fizeram mal à imagem do presidente no Exterior

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 23 abr 2023, 11h04

As declarações de Lula da Silva considerando a Ucrânia, os Estados Unidos e a União Europeia como corresponsáveis pela guerra com a Rússia quebraram o anel de vidro da imagem do presidente no Exterior. Lula não é mais visto como uma versão renovada de Nelson Mandela, um líder político que saiu da prisão para se tornar uma referência mundial com posições consensuais, mas o presidente oportunista de um país com interesses em um novo equilíbrio geopolítico.

Lula escorregou vergonhosamente para alguém com tanta experiência internacional. “A paz está muito difícil. O presidente [da Rússia] Putin não toma iniciativa de paz, o [presidente da Ucrânia] Zelensky não toma iniciativa de paz. A Europa e os Estados Unidos terminam dando a contribuição para a continuidade desta guerra” e “é preciso que os EUA parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz” são declarações de um comentarista de TV, não de quem que se julga um estadista com condições de mediar um conflito que se arrasta há um ano.

Acuado pela reação internacional, Lula recuou. Na quinta-feira, em Brasília, depois de encontro com o presidente da Romênia, ele disse: “ao mesmo tempo em que meu governo condena a violação da integridade territorial da Ucrânia, defendemos uma solução política negociada ao conflito. Falei da minha preocupação com os efeitos da guerra que extrapolam o continente europeu”.

No sábado, em Lisboa, Lula tentou novamente se colocar como parte imparcial da guerra. “Não tenho lado, estou na terceira via, que é o da construção da paz. Todos acham que a Rússia errou, e já dissemos isso. Infelizmente, a guerra começou. Agora, é preciso encontrar as pessoas dispostas a se sentar para discutir a paz. É isso que estou tentando fazer”, disse. O presidente confirmou que enviará o seu assessor internacional Celso Amorim à Ucrânia, repetindo gesto feito semanas atrás quando o enviou à Rússia.

Too little, too late.

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Os erros de condução de Lula na arena internacional revelam muito sobre sua dificuldade em aceitar que atitudes que deram certo nos seus primeiros governos não funcionam mais. Em 2003, falar contra a Guerra do Iraque revelava uma independência intelectual e política em relação à Casa Branca. Não havia um outro polo além dos EUA e criticar o belicismo do governo Bush tinha mais efeitos retóricos do que práticos.

Em 2009, ao meio do debacle do crack financeiro mundial, Lula tinha argumentos de sobra para convencer o governo americano a construir o G-20, o grupo das principais economias mundial capaz de coordenar esforços conjuntos para debelar a crise. Em 2010, Lula pode organizar um clube de países fora da aliança Estados Unidos-Europa, o BRICs, visto à época mais como um gesto de multilateralismo do que uma ameaça à supremacia ocidental.

Vinte anos depois, o mundo mudou mais do que o governo Lula gostaria de admitir. A China é um polo antagonista aos EUA, a invasão russa à Ucrânia é percebida pela Europa como uma ameaça à integridade física das nações e o governo Xi tem um lado na disputa. O antiamericanismo de centro acadêmico agora tem consequências reais e impede uma neutralidade que é estrategicamente desejável para o Brasil.

Embora a reação americana tivesse sido mais grosseira, a consequência mais perigosa do anacronismo de Lula é ameaçar o acordo comercial União Europeia — Mercosul, que poderia ser assinado ainda neste ano. Ao invés de ser saudado como um líder democrático, o presidente brasileiro chegou à Europa na defensiva. O discurso de Lula na solenidade no Congresso Português nas comemorações da Revolução dos Cravos, dia 25, foi suspenso por temor de como os parlamentares do partido radical direitista Chega tratariam o brasileiro em função das declarações sobre a guerra.

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Interessa ao Brasil um mundo multipolar, no qual uma potência média possa se aproximar simultaneamente aos EUA, China e União Europeia sem ser aliada incondicional de nenhum bloco. A China é o maior comprador de produtos Brasil desde 2009, com um quarto de todas as exportações. O agronegócio brasileiro é completamente dependente de boas relações com a China, assim como da importação de fertilizantes russos. Daí a achar que sob Lula o Brasil passou a ser um papagaio da diplomacia sino-russas como disse um assessor da Casa Branca vai um coquetel de estultice.

Na quinta-feira, dia 20, a Casa Branca anunciou que enviará ao Congresso o pedido de doação de 500 milhões de dólares ao Fundo Amazônia, o maior projeto internacional de preservação de áreas ambientais. É um avanço. A última oferta havia sido de 50 milhões de dólares. Para comparar, a Noruega banca 1,5 bilhão de dólares do projeto.

A notícia foi saudada pelos petistas como uma prova da esperteza de Lula, que havia acenado à China para arrancar mais dinheiro dos americanos. Seria uma espécie de repetição do que Getulio Vargas fez ao se equilibrar até onde podia na Segunda Guerra e obter empréstimos generosos do governo Roosevelt para ceder território brasileiro para bases americanas no Nordeste. A história não se repete tão facilmente. Os 500 milhões de dólares podem ter sido apressados para adoçar a boca de Lula, mas estavam em negociação há meses.

As idas-e-vindas das declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia revelam incompreensão sobre a importância da ameaça russa para a Europa e o peso dado pelos americanos ao novo papel da China. Está mais difícil se equilibrar como uma potência que fala com todos, como Lula fazia nos primeiros mandatos. A nova conjuntura exige do Brasil mais cuidado e paciência do que o governo tem demonstrado até o momento.

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