O favoritismo de Donald Trump para recuperar a presidência dos Estados Unidos terá um efeito direto e duradouro na política brasileira. A sua campanha personalista de zero desculpas e 100% revanche vai reavivar o sentimento de que a forma de a direita recuperar o poder no Brasil não é moderando o discurso e construindo pontes com o centro, mas ao contrário, sendo radical e incentivando a polarização extrema. Muito mais do que Javier Millei ou qualquer líder europeu, Trump é o farol da extrema direita brasileira.
Trump foi o modelo de Jair Bolsonaro. A campanha baseada em redes sociais, o bullying com os oponentes, a combinação de política e religião, a transformação dos eleitores em militantes de uma causa e o populismo reacionário são instrumentos do bolsonarismo testados e aprovados pelo trumpismo com dois anos de vantagem. O 8 de janeiro de 2023 é uma versão vitaminada do 6 de janeiro de 2021, assim como o discurso comum de que ambos haviam de fato ganhado as eleições. Agora, Trump serve de exemplo de ressurreição.
Desde que foi declarado inelegível, em junho e pela segunda vez em outubro, Bolsonaro perdeu seu eixo. Sem o dinheiro do governo, sua influência nas redes sociais diminuiu. Suas tentativas de liderar a oposição congressual fracassaram e é surpreendente a resistência que o ex-presidente tem sofrido para impor seus nomes como candidatos a prefeito. Embora tenha recebido 58,2 milhões de votos no segundo turno, Bolsonaro tem sido excluído da indicação do herdeiro do bloco antipetista em 2026.
É visível a preferência da elite política e empresarial por um nome da direita moderada, como o governador Tarcísio de Freitas. É quase consenso na oposição moderada de que um candidato antipetista que não repetisse algumas das transgressões bolsonaristas como, por exemplo, a rejeição à vacinação contra a Covid ou o confronto aberto com o STF, poderia atrair o centro e forçar uma disputa real contra o PT em 2026. A campanha de Trump tem o potencial para mudar isso.
A campanha americana parece fadada a não ser um julgamento da gestão Biden, mas um plebiscito sobre Trump e o seu direito de se vingar de uma conspiração da qual se coloca como vítima. Desta vez, não será uma campanha sobre “a economia, estúpido!”, o mote que elegeu Bill Clinton nos anos 1990. Deve ser uma eleição sobre os valores de uma América idílica ameaçados pelos democratas, a mídia, a burocracia do Estado, as universidades, os sindicatos, os imigrantes, os defensores dos direitos das mulheres e minorias, os ambientalistas e uma miríade de inimigos externos. Tende a ser uma disputa sobre a identidade de ser um verdadeiro americano, uma marcha que pode acentuar ainda mais a calcificação política que já divide o país.
Tudo isso toca na essência da extrema direita brasileira. Durante duas décadas esse grupamento se escondeu sob o guarda-chuva do PSDB. Só ganhou uma voz própria com Bolsonaro. É ingenuidade imaginar que essa direita radical vai aceitar ser novamente segunda classe depois de mostrar que ela é quem tem a força da oposição ao PT.
Um reavivamento de Trump tem o potencial de radicalizar a oposição ao governo Lula. Se o presidente realmente pretende nacionalizar a campanha municipal, é possível que assista os seus candidatos a prefeito sofrerem os mesmos questionamentos que ele e que não dizem respeito às cidades, como aborto, uso de armas e educação sexual nas escolas.
Não está claro, contudo, se Bolsonaro será capaz de usar este momentum em benefício próprio. A composição das chapas municipais é um exemplo ruim de articulação. A desconfiança atávica sobre qualquer aliado pode fazer com que Bolsonaro perca a oportunidade de indicar o seu preferido para 2026 e o movimento antipetista termine confluindo para os nomes mais extremos do espectro político do que Tarcísio de Freitas, como os governadores Romeu Zema e Ronaldo Caiado.