A decisão do Twitter e Facebook de cancelar os perfis do presidente Donald Trump depois de ele ter usado as plataformas para incitar uma tentativa de golpe nos Estados Unidos coloca em risco um dos eixos da campanha de reeleição de Jair Bolsonaro. O presidente brasileiro foi o único político estrangeiro a justificar a invasão do Capitólio na semana passada, reafirmar as suspeitas de fraude na vitória de Joe Biden e criticar o banimento de Trump. Em protesto contra a decisão, o terceiro filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, passou a usar a foto de Trump no seu perfil no Twitter.
O silenciamento de Trump, no entanto, mostra que as plataformas podem acabar com essa ligação de uma hora para outra também no Brasil. Afinal, se tiveram coragem de cancelar Trump, por que respeitariam Bolsonaro?
Imitador de Trump, Bolsonaro foi eleito com um gigantesco aparato digital montado por outro filho, o vereador Carlos Bolsonaro. No poder, Bolsonaro passou a usar o Twitter e o Facebook como instrumentos de comunicação direta com seu público, derrotando a intermediação da mídia. A principal fonte de propaganda bolsonarista, no entanto, é o WhatsApp, a principal rede de mensagens no Brasil e que é quase desconhecida nos EUA.
Pertencente agora ao Facebook, o WhatsApp anunciou que sua política de privacidade mudará no dia 8 de fevereiro. Quem ficar no aplicativo a partir desta data estará automaticamente concordando que o Facebook poderá acessar dados como o número do celular, números dos contatos, localização e ainda compartilhar essas informações com outras empresas do grupo. Com as mensagens no WhatsApp são criptografadas de ponta a ponta, o Facebook não terá acesso ao teor das conversas. As medidas fazem parte da estratégia comercial do Facebook de tornar o WhatsApp lucrativo, usando o aplicativo para vender anúncios. Só que haverá consequências também na esfera judicial.
Essas mudanças vão permitir, por exemplo, que a Justiça tenha acesso mais ágil à rede contatos de acusados de incitar o ódio, motivo de dois inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal. No ano passado, Moraes obrigou o Twitter a suspender os perfis de bolsonaristas que defendiam um golpe de Estado no Brasil, mas não teve acesso às listas de grupos de disseminação de ódio via WhatsApp. A partir de fevereiro, ele ou outro juiz interessado em parar o bolsonarismo terá como obrigar o Facebook a passar mais dados sobre os usuários.
O clima entre os bolsonaristas é de apreensão. No fim de semana, Bolsonaro usou a sua conta no Instagram para incentivar seus seguidores a entrarem no aplicativo Parler, uma rede de funcionamento similar ao Twitter, mas usada quase exclusivamente pela extrema-direita. Tarde demais. Amazon, Google e Apple suspenderam o aplicativo, que agora não poderá mais ser atualizado. Assustado, Arthur Weintraub, irmão do ex-ministro e dos mais populares líderes da nova direita brasileira Abraham Weintraub, anunciou uma conta no aplicativo Telegram para manter sua base de seguidores.
O temor de uma operação mundial das plataformas digitais não está só no Brasil. Nesta segunda-feira, 11, o presidente da Turquia, Recept Edorgan, cancelou sua conta no WhatsApp em protesto contra essas mudanças, que ele qualificou de “fascismo digital”. Erdogan vai operar com um aplicativo turco. Peça importante na campanha bolsonarista, o WhatsApp brasileiro já havia mudado as regras de formação de grupos nas eleições municipais, mas segue sendo o principal veículo de comunicação dos seguidores do presidentes. O bolsonarismo até sobrevive sem o Twitter e as lives do presidente no Facebook, mas teria de se reinventar se perder o WhatsApp.