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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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Refém da polarização

Lula precisa conquistar eleitores que só votaram nele para evitar Bolsonaro

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 mar 2024, 18h31 - Publicado em 25 mar 2024, 12h42

A queda na aprovação e o aumento na desaprovação do governo Lula, captada em sequência pelas pesquisas do Datafolha, Ipec e Genial/Quaest, confirmaram que no Brasil de 2024 a economia não explica sozinha o comportamento do eleitorado. Por qualquer viés, o primeiro ano do governo Lula teve resultados econômicos acima da média. O PIB cresceu 3%, a renda média do trabalhador teve o maior aumento acima da inflação desde o Plano Real, o desemprego está no menor nível em nove anos, a inflação está em queda e os juros tendem a voltar a um dígito nos próximos meses. E daí? E daí que isso não alterou a polarização brutal que divide o país entre petistas e antipetistas. Acabou o tempo do “é a economia, estúpido!”, a frase do marqueteiro de Bill Clinton que relacionava o sucesso eleitoral exclusivamente ao bolso do eleitor.

Ao contrário do que ocorreu nos primeiros mandatos, Lula encara uma metade do país que irá rejeitar qualquer iniciativa sua, simplesmente porque vem de um governo do PT. O presidente e seus ministros não parecem estar certos de como reagir nesse mundo de polarização calcificada, o processo de divisão política extrema que o Brasil atravessa, como descrevi junto com o cientista político Felipe Nunes no livro Biografia do Abismo.

Paradoxalmente, parte do aumento das críticas ao presidente Lula se deve à inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Explico: entre os principais motivos para a vitória de Lula em 2022 estava a rejeição a Bolsonaro e não necessariamente um apoio ao candidato do PT. A série de pesquisas Genial/Quaest mostrou que, perguntados sobre qual o principal motivo do voto em Lula, 50% dos eleitores disseram eleger o candidato e 46%, evitar a reeleição de Bolsonaro. Essa divisão comprova a importância da frente ampla que juntou ao PT antigos desafetos como Geraldo Alckmin, Simone Tebet e Marina Silva. No livro, a partir de dezenas de pesquisas qualitativas, identificamos um núcleo de 3% dos eleitores que votaram no Lula justamente por esses apoios.

Só que Bolsonaro não está mais no jogo. Com o TSE cassando seus direitos políticos até 2030 e as recentes provas de que planejava um golpe de Estado, Bolsonaro está definitivamente fora da disputa presidencial de 2026. Esse fato permite um certo relaxamento a uma parcela de eleitores que votaram em Lula pela primeira vez, muitos apertando o nariz. Sem a ameaça da volta de Bolsonaro, Lula passou a ser julgado como um governante comum, não como um salvador da democracia ameaçada por Bolsonaro. São eleitores que facilmente podem votar em um Tarcísio Gomes se Lula não se esforçar para reconquistá-los.

Na Biografia do Abismo, mostramos como a polarização é um processo que se autoalimenta. Odiado pela metade do país, Bolsonaro é o melhor adversário possível para Lula. Odiado pela outra metade, Lula tem a mesma função para Bolsonaro. É por isso que mesmo na reunião ministerial que deveria discutir as ações dos ministérios do ano, Lula iniciou o seu discurso atacando Bolsonaro. O presidente está ficando refém da polarização.

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Mesmo quando o governo tenta agradar quem não votou nele, o resultado é agridoce. Lula cancelou manifestações contra o aniversário do golpe de 1964, sua ministra da Mulher ameaçou abandonar uma entrevista para não falar sobre aborto e a equipe econômica negociou um acordo tributário para ajudar as igrejas evangélicas. Nos três casos, o presidente irritou os eleitores de esquerda e não ganhou nem um alívio à direita.

Na reunião de mais de quatro horas, o governo tomou a atitude mais fácil, culpar a comunicação. É como se o maior defeito do governo fosse não explicar direito tudo de bom que está fazendo para os brasileiros, e não o fato de que a ação dos ministérios está de regular para ruim. Não ajuda o fato de que a direção da comunicação do governo hoje seja disputada entre a primeira-dama Janja da Silva, o ministro Paulo Pimenta, o fotógrafo Ricardo Stuckert, o secretário de imprensa José Chrispiniano e o marqueteiro Sidônio Pereira.

Um problema real de comunicação é a confusão do eleitor comum entre ações do governo e do Supremo Tribunal Federal. A campanha bolsonarista de acusar o Supremo de estar vinculado ao PT deu certo e julgamentos como os de liberação do aborto, descriminalização do porte de maconha, marco temporal e as liminares favoráveis à JBS e à Odebrecht na Lava-Jato terminaram sendo jogadas no colo de Lula.

Por fim, há o próprio Lula. Sua fixação com Bolsonaro, o excesso de atenção com a política externa e a falta de iniciativa em falar com eleitores não petistas são a receita para não sair do lugar. “É Lula quem faz a maior parte do trabalho. Quando ele fala, é o governo falando. É dele que cobramos explicações quando algo dá errado. Por isso, quem tem mais margem de manobra para melhorar a comunicação do governo é o próprio presidente”, escreveu na Folha o sociólogo Celso Rocha de Barros.

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Para melhorar a popularidade do governo, a prioridade deveria ser melhorar o governo. As marcas do primeiro ano do governo Lula são continuações dos programas dos dois primeiros mandatos, como o PAC e o Minha Casa, Minha Vida. A diferença é que até agora esses dois programas mal saíram do papel. É notável que os dois únicos projetos novos deste mandato — a renegociação de dívidas do programa Desenrola e a poupança para jovens do Pé-de-Meia — foram sugestões recicladas de outros candidatos, respectivamente Ciro Gomes e Simone Tebet. Não há comunicação que resolva um governo sem ideias.

Dito isso, a importância dada pelo governo às pesquisas está além da conta. O nível de aprovação do governo Lula é alto comparado com o de outros presidentes, com as notáveis exceções dos líderes da Índia e México. Em países de extrema polarização, o padrão é que os governantes sofram oposição constante. Ganhar por 1 a zero, como ocorre hoje com o governo Lula na margem do saldo de aprovação ante desaprovação, é o melhor cenário possível. O normal é o que acontece nos EUA, na França, no Reino Unido ou no Chile, com a impaciência do eleitor levando a uma desaprovação crescente.

Uma comparação entre a pesquisa do Datafolha, divulgada na quinta-feira  21, com os dados do início do segundo ano do mandato dos presidentes brasileiros eleitos mostra esse novo tempo. Compare o saldo das respostas ótimo/bom ante às ruim/péssimo de Collor (1991), FHC (1995), Lula (2004), Dilma Rousseff (2012), Bolsonaro (2020) e Lula (2024).

Fernando Collor -9
FHC +36
Lula +21
Dilma +59
Bolsonaro -5
Lula +2

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A comparação mostra que uma popularidade gigante como a que Dilma Rousseff teve na pesquisa Datafolha de abril de 2012 não é garantia de futuro tranquilo. Mas cabe o alerta: apenas Collor, que sofreu impeachment, e Bolsonaro, que não se reelegeu, entraram em seu segundo ano de mandato com um saldo negativo entre ótimo/bom e ruim/péssimo.

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