A polêmica sobre a declaração condescendente de Lula da Silva sobre as eleições na Nicarágua tem um vencedor: o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro bolsonarista Sergio Moro. Monitoramento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP-FGV) revela que 62% das menções ao episódio no Twitter foram contrárias ao PT e apenas 37% defenderam Lula. Nas críticas, uma surpresa: 33% vieram do núcleo de apoio de Moro contra 29% do grupo bolsonarista. É a primeira vez que Bolsonaro não lidera a polarização da direita na internet.
Em entrevista ao jornal espanhol El País, Lula deu uma resposta amadora quando perguntado sobre as eleições na Nicarágua. Primeiro comparou o tempo de governo de Daniel Ortega com os mandatos parlamentaristas da Espanha e Alemanha (Ah… por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não? Por que o Felipe González pode ficar 14 anos aqui na Espanha? Qual é a lógica?”), depois colocou em dúvida as prisões dos opositores (“Eu não posso julgar o que aconteceu na Nicarágua, não sei o que as pessoas fizeram para ser presas”), para concluir que “se ele fez isso para evitar que eles disputassem a eleição, como fizeram no Brasil contra mim, ele está totalmente errado”.
É óbvio que o debate foi hipócrita. Autor do primeiro tuíte acusando Lula de não democrata, Sergio Moro manipulou os prazos do processo da Lava Jato para acelerar a condenação e impedir a candidatura do ex-presidente, como mostrou o processo no STF que o considerou parcial. Jornalistas não saberiam distinguir a Nicarágua no mapa se tornaram arautos da democracia, mas Lula conhece a mídia brasileira o suficiente para saber que haveria um carnaval sobre a declaração e que seus adversários aproveitariam a oportunidade. Ter dado a chance para apanhar mesmo assim revela um desprezo, mas principalmente um erro de avaliação espantoso para um político tão experiente.
Menos de 90 dias atrás, o presidente Jair Bolsonaro tramou a organização de uma manifestação para invadir o Supremo Tribunal Federal, incentivou o ódio e a desobediência à Justiça e ameaçou uma intervenção militar nas instituições. Por falta de apoio tanto popular quanto militar, Bolsonaro recuou e tenta viabilizar sua permanência no poder dentro da Constituição. Não há, no entanto, garantia de que ele irá aceitar um resultado eleitoral que não a sua vitória. A eleição de 2022 será permeada por esse risco e nem Lula, nem os demais candidatos devem abrir brechas relativizando seus compromissos democráticos porque eles serão testados ao final da eleição.