As Forças Armadas são as grandes vencedoras do governo Bolsonaro. Se o presidente for reeleito, os militares vão dividir o poder com o Centrão como fizeram nos últimos quatro anos, segurando mais de 6 mil cargos em comissão, ingerências nas estatais e vantagens salariais. É ilusão, no entanto, supor que eles perderão tanto assim se Lula da Silva tomar posse.
O desafio de Lula nos próximos meses é comparável ao de Getúlio Vargas, o ditador que retornou ao poder com 48% dos votos nas eleições de 1950 depois de ser deposto pelos generais, e de Tancredo Neves, o candidato que montou a mais ampla aliança política da história para encerrar a ditadura militar em 1985. Mas há um terceiro presidente que pode servir de exemplo ao Lula de 2022, Juscelino Kubitschek.
Vitorioso nas eleições de 1958 com 36% dos votos contra 30% do general Juarez Távora e 26% do governador Ademar de Barros (não havia segundo turno à época), Kubitschek teve a vitória questionada. O líder da oposição Carlos Lacerda defendeu um golpe militar para impedir a posse: “Àqueles que têm nas mãos a força de capaz de decidir a questão. Basta que ouçam a voz do seu patriotismo, e não a dos que falam em legalidade para entregar o Brasil a contraventores e criminosos do pior dos crimes, que é o de enganar o povo com o dinheiro que lhe roubam”. A conspiração tinha o apoio do presidente interino Carlos Luz e só não foi à frente porque o general Henrique Lott fez um golpe preventivo, derrubou o presidente e garantiu a posse de JK.
Lula não tem um general Lott. Seus contatos militares estão na reserva. Seus interlocutores nas casernas, os ex-ministros da Defesa Nelson Jobim e Jaques Wagner, lhe trazem relatos edulcorados sobre o clima nos quartéis. Os relatos são de que as ameaças golpistas são de uma minoria e que os militares nomeados para cargos civis apenas cumpriam uma missão.
O simples fato de Lula ter a cautela de ter enviados aos quartéis, no entanto, é a prova da vitória das Forças Armadas. No curto prazo, ter as benesses de um governo Bolsonaro é bom, mas no longo prazo o importante para as FFAA é voltar a ter um papel na política. Este protagonismo, o governo Bolsonaro devolveu às FFAA.
Na segunda-feira (23/05), o Instituto General Villas-Bôas lançou o “Projeto de Nação, o Brasil em 2035” (a íntegra pode ser lida aqui). O projeto, coordenado pelo general Luiz Eduardo Rocha Paiva, ex-presidente da ONG Ternuma (Terrorismo Nunca Mais), do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI, departamento de repressão política durante a ditadura militar, é uma coleção de platitudes, xenofobia, premissas erradas e conclusões inconsequentes. Defende o fim da gratuidade do sistema único de saúde, a intervenção política nas universidades e ataques aos direitos das minorias. O Brasil de 2035 do projeto dos militares é pior que o de 2022.
O fato, porém, de os generais da reserva estarem colocando as suas ideias em livro comprova que eles voltaram a ter protagonismo.
De 1989 até 2016, os generais só eram lembrados pelos presidentes e governadores para tocar as operações de intervenção nos Estados, as GLOs, resolvendo problemas imediatos de segurança. Depois do histórico tuíte do ex-comandante general Eduardo Villas-Bôas admoestando o STF a prender Lula da Silva em 2018, as coisas mudaram. O próprio Villas-Bôas foi ouvido por todos os candidatos a presidente (inclusive Fernando Haddad), o Ministério da Defesa deixou de ser prerrogativa de um civil, os Ministérios das Relações Exteriores e Meio Ambiente passaram a se consultar com generais e almirantes e o próprio TSE chamou militares para opinar sobre o processo eleitoral. O documento do Instituto General Villas-Bôas inspirou a Câmara dos Deputados a retomar uma pauta de cobrança de mensalidades nas universidades públicas, uma das ideias defendidas pelos militares. Os militares voltaram a ter um papel político ativo e não vão sair do jogo. Com ou sem Bolsonaro.