O que Lula quer no Natal?
Discurso de colocar “o pobre no orçamento e o rico do imposto de renda” resume agenda econômica do segundo semestre
No tradicional pronunciamento de fim de ano, entre o Natal e o réveillon, o presidente Lula da Silva quer afirmar ter cumprido a promessa de campanha que resume a sua política econômica, “colocar o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda”. Mais do que criar a base de sustentação do arcabouço fiscal, este é o objetivo central da agenda econômica do governo no Congresso nos próximos meses.
Ter esse slogan em mente ajuda a entender o que Lula quer e o que está disposto a negociar com o Congresso. Por “pobre no orçamento” Lula entende manter o nível de gastos sociais do orçamento deste ano, que recuperou a média de despesas de saúde e educação e triplicou os gastos históricos com o Bolsa Família. Isso inclui ainda o envio da reforma que amplia a isenção do imposto de renda até R$ 5 mil, promessa de campanha que beneficiaria 30 milhões de trabalhadores. É altamente improvável que o projeto seja aprovado na íntegra no Congresso por falta de quem pague os R$ 100 bilhões necessários para sustentar a proposta. É provável, no entanto, que haverá um aumento da isenção o Imposto de Rendas dos atuais R$ 2,6 mil até o fim do mandato.
“Colocar o rico no Imposto de Renda” implica na aprovação de alguns projetos prontos para serem anunciados pelo Ministério da Fazenda, as taxações sobre fundos exclusivos, off-shore, Juros sobre Capital Próprio e dividendos.
Primeiro uma anedota: desde o governo Temer tenta-se cobrar impostos sobre os fundos exclusivos, investimentos feitos por cotas mínimas de R$ 10 milhões. Hoje esses fundos só pagam imposto de renda quando são resgatados. Em 2018, o projeto de taxação chegou a ser aprovado na Câmara e terminou sendo derrotado no Senado. Quando o então número 2 da Fazenda, Eduardo Guardia foi cobrar os senadores governistas pela não aprovação do projeto, um deles, meio sério, meio na brincadeira, justificou: “seria ilusão achar que a gente votaria contra os nossos filhos”.
Como nesses últimos anos o número de deputados e senadores milionários só aumentou, é improvável que tenha muda a pouca disposição dos congressistas em taxar seus próprios investimentos.
Os aumentos dos impostos sobre os demais itens — off-shore, JCP e dividendos — podem ser aprovados pelo Congresso, mas aqui entra um paradoxo. A importância política dada por Lula à aprovação desses itens é maior que o seu efeito fiscal. Isso significa que o governo está disposto a aceitar alíquotas baixas em troca de um consenso para aprovação rápida. É mais importante para Lula ter o discurso “aumentamos a taxação sobre os bancos” ou “o Brasil deixou de ser o único país do mundo que não cobrava dividendos” do que necessariamente ter um resultado na arrecadação. A narrativa política é mais importante do que o arcabouço.
O resumo da reforma ministerial: em junho, o governo Lula tinha uma base confiável entre 180 e 190 deputados. Em setembro, com a chegada de parte do Progressistas e do Republicanos, esse índice vai crescer para 260 a 270 deputados. Isso significa que o governo Lula tem maioria tênue para aprovar projetos de lei, mas principalmente que assegurou uma base para impedir ataques como a criação de CPIs ou pautas bombas. É uma reforma ministerial defensiva, não a formação de um rolo-compressor.
Por isso o presidente Lula não tem pressa. Responsável por meia dúzia de reformas de trocas de ministros nos mandatos anteriores para aumentar a base no Congresso, ele tem experiência de que o tempo trabalha a seu favor. Ele gastou quase dois meses para realizar um única troca, tirar o Ministério do Turismo da deputada Daniela do Waguinho para Celso Sabino, e com a demora adiou que o novo ministro exigisse indicar também o presidente da Embratur, agência dominada pelo PT.
Lula e o presidente Arthur Lira são negociadores veteranos. Sabem que as ameaças, chantagens e trombadas fazem parte do processo. É como a venda de um tapete na qual, segundo a tradição, não regatear o preço é quase um desrespeito ao vendedor.
No caso da troca atual, o Centrão abriu as negociações pedindo o Ministério da Saúde. Depois foi para o Desenvolvimento Social. Agora já aceita o Esportes e Portos, além da Caixa Econômica. O acordo final não vai mudar o resultado: apenas parte do Centrão vai votar com o governo e mesmo assim isso os pontos realmente importantes, como o aumento de carga tributária, serão negociados caso a caso pelo ministro da Articulação Política, Alexandre Padilha.