Na segunda-feira, 20, faltando então 105 dias para o primeiro turno, um grupo da elite do empresariado se reuniu com os candidatos Lula da Silva e Geraldo Alckmin para uma virada de página. Desde o impeachment de 2016, a nata do empresariado fechou as portas ao PT, embarcou no bolsonarismo e passou a tratar como suspeita qualquer ligação com os governos Lula e Dilma. Com Lula vencendo todos os cenários eleitorais, em algumas pesquisas até no primeiro turno, abrir relações com Lula passou a ser fundamental no plano de negócios a partir de 2023. A realidade se impôs.
No jantar, Lula ouviu cobranças por anunciar um mecanismo que substitua a Lei de Teto de Gastos, que o PT prometeu acabar. Ele reclamou das desconfianças dos empresários (“vocês sabem que o meu governo foi responsável”) disse que aceitará propostas alternativas. Os empresários prometeram elaborar ideias que possam ser usadas em um eventual terceiro governo Lula.
De acordo com o jornal digital Poder360, estiveram no encontro com Lula e Alckmin os empresários Pedro Moreira Salles (Itaú Unibanco), Beto Sicupira (da 3G), Sérgio Rial (Santander), Pedro Passos e Fábio Barbosa (ambos da Natura), Frederico Trajano (Magalu), Horácio Lafer Piva (Klabin) e Teresa Vendramini, presidente da Sociedade Rural Brasileira. O jantar foi na casa de Cláudio Haddad, fundador do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) e intermediado pelo ex-prefeito Fernando Haddad (apesar do mesmo sobrenome, eles não são parentes).
O encontro é o primeiro de muitos. No dia 26, em São Paulo, ele deve participar de jantar com o grupo de advogados Prerrogativas, que está cobrando R$ 20 mil por um lugar na mesa. Nos últimos meses, Lula teve encontros reservados com José Seripieri Filho, Rubens Ometto (Cosan), Luiz Carlos Trabuco (Bradesco), André Esteves (BTG) e Guilherme Benchimol (XP).
Uma das obsessões de Lula na vitoriosa campanha de 2002 era obter o apoio do empresariado. Era o trauma pelo efeito da previsão histérica do presidente da Fiesp, Mario Amato, que às vésperas da eleição de 1989 disse que 800 mil empresários deixariam o país caso o PT vencesse. Ciente que Amato havia exagerado, mas que exprimia um sentimento real, Lula indicou como vice o milionário José Alencar, dono da Coteminas e ex-presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais. Não foi suficiente. Em julho, a campanha tentou um manifesto de empresários pró-Lula, mas a lista tinha raros nomes influentes. Só em agosto, com a propaganda de TV já no ar e Lula liderando todos os cenários, um peso-pesado apareceu, o dono da Gradiente, Eugenio Staub.
“O Lula não assusta os brasileiros. O Lula assusta uma parte dos brasileiros. Aqui, por exemplo, existe essa entidade chamada mercado. O mercado é constituído de dois tipos de grupos de interesses. Tem aquele que é investidor, nacional e estrangeiro, que está atrás do melhor negócio. E tem aquele que é o intermediário, que está atrás da volatilidade para obter o ganho. O medo do primeiro grupo é o de que, com Lula, a remuneração do capital não seja mais tão boa como era. Já o raciocínio do outro grupo, que influencia a mídia, é o de ganhar quando o dólar sobe muito ou cai muito”, declarou Staub ao repórter Guilherme Barros, na Folha.
Vinte anos depois, a declaração de Staub segue atual. Na prática, Lula tem hoje menos apoio público do PIB do que tinha em 2002.
Parte desse retrocesso nas relações do PT com o empresariado, e vice-versa, se deve aos anos Dilma Rousseff, da intervenção no mercado de energia em 2012 até o financiando manifestações pelo impeachment pela Fiesp em 2016. Mas passados seis anos, sendo quase quatro de um governo que de liberal só tem o verniz, as feridas não se cicatrizaram.
O entorno de Lula enxerga a elite empresarial, especialmente a do mercado financeiro, como os agentes que trabalharam pelo desaparecimento do PT como interlocutor político. Acreditam que esses empresários não se importam com o aumento da miséria, a devastação da Amazônia ou as ameaças à democracia, apenas com o resultado fiscal das contas públicas. Não estão errados.
A maioria do empresariado, especialmente a turma da Faria Lima, enxerga os petistas como um grupo dogmático para quem toda pergunta tem como solução “mais estado”. Para os executivos, o PT não aprendeu nada (ou aprendeu muito pouco) com os erros que levaram à recessão de 2014/16. Também não estão errados.
O encontro de segunda-feira, sem intermediários, desanuvia o clima e reduz a desconfiança.